Cada profissão da saúde, cada especialidade, cada área de atuação na beira do leito pode ser entendida como uma comunidade de interpretação. É admissível também percepcionar o leigo-paciente como componente de uma comunidade de interpretação. É licença aceitável no campo da Bioética pois comunga modos peculiares de interpretar as ciências da saúde. O termo comunidade de interpretação carrega certo viés de hermético, inclusive por considerações de linguagem – mediquês, advoguês, economês.
Tomando como ponto de referência a comunidade de interpretação, fica esquisita a designação de bioeticista, provocaria vários bloqueios labirínticos. Incluem a ocupação de interesse primário do profissional da saúde na beira do leito que costuma ser outra e não a Bioética; não exigência de PhD específico; inexistência de ambulatório ou enfermaria específicos; ausência de incorporação de métodos tecnológicos; forte necessidade de sustentação transdisciplinar- conjunção de comunidades de interpretação.
Na situação da beira do leito, a Bioética da Beira do leito ao lidar com o profissionalismo envolve-se com compromissos com seriedade, competência e responsabilidade num campo de aplicação da tecnociência perante assimetria de informação, tomadas de decisões sem certezas e diversidade de resultados. Um dos aspectos motivadores dos conflitos inter e inter comunidades de interpretação é o nível de integração entre imparcialidade, equidade, confiança e eficiência, fatores que nem sempre são igualmente apreciadas no contexto da conexão profissional da saúde-paciente/familiar.
De fato, a Bioética interage com várias jurisdições como ciências da saúde, direito, economia hospitalar, engenharia hospitalar, conselhos de classe e cada profissional apõe Bioética ao seu gosto. Assim, o pensar livre num percurso de labirinto, os vaivéns em busca de saídas, não parecem ser suficientes para rotular o militante em Bioética como tendo a profissão de bioeticista, não cabe um crachá de bioeticista, pelo menos no estado atual da capilarização da Bioética.
A Bioética no âmbito do ecossistema da beira do leito é um modo de enxergar ciência/profissões da saúde com viés transdisciplinar. Como percebido por Van Rensselaer Potter (1911-2001), a Bioética é um sistema de moralidade baseado em conhecimento biológico e valores humanos, cabendo ao ser humano a responsabilidade pela própria sobrevivência e pela preservação do ambiental.
A imperiosidade da transdisciplinaridade na Bioética organizada em Comitês se por um lado impede um sistema de conhecimento abstrato específico, por outro possibilita uma militância em alto nível colaborativo pois integrada por recomendações éticas/morais/legais de várias jurisdições/comunidades de interpretação.
A militância em Bioética na beira do leito que é multiprofissional e transdisciplinar ajuda profissionais e leigos (paciente/familiar) a clarear seus valores e tomar decisões utilizando uma moralidade comum à sociedade e não uma própria peculiar ou de um subgrupo de pessoas, o que é interessante para atender a todos os biótipos da beira do leito.
Os militantes em Bioética certamente aplicam mais tempo mental para entender os fundamentos morais dos juízos implicáveis do que para constituir respostas predeterminadas encasteladas numa sabedoria moral especial. Em outras palavras, ênfase na contextualização das questões, na clarificação dos valores envolvidos a fim de subsidiar uma seleção circunstanciada do que em cada situação seria classificável como pró ou como contra ético/moral/legal.
Comitês de Bioética, devidamente admitidos como um catalizador em função da soma de expertises de jurisdição/comunidade de interpretação, atendem a beira do leito por uma atividade habitualmente provocada – também por iniciativa própria-, que pode se delinear expansora de abrangência e profundidade, indeclinável, mas não imperativa – não tem a conotação de um transitado em julgado. As demandas aos Comitês de Bioética podem ser de natureza preventiva, por exemplo, quando o profissional da saúde percebe que o clima relacional tende a esquentar, ou já na circunstância de fato conflituosa.
Bioamigo, após tomar conhecimento das considerações a respeito da pertinência e conveniência de conjugar livre pensar- ciências da saúde- Bioética – estado de direito na beira do leito utilizando a metáfora do labirinto e da impropriedade de um crachá de bioeticista, qual é sua opinião?