Há informações que se encontra em andamento em alta instância jurídica a apreciação da constitucionalidade – aspectos ligados à dignidade humana, a direitos fundamentais à vida digna e à liberdade de consciência e de crença- da recusa do paciente Testemunha de Jeová a receber transfusão de sangue. Ela merece toda a atenção da Bioética.
O contexto da dignidade humana é transcendental, a apreciação da consistência em lutar por um fim superior obtendo um ponto ideal entre complacência e egoísmo. O tema ganhou consenso ético ao final da Segunda Guerra Mundial e adquiriu uma conotação polissêmica. Fato que imprime uma elasticidade discursiva que pode compor justificativas sobre objetivos e resultados distintos e até opostos.
Dentre os muitos sentidos está a identificação com a capacidade para a autodeterminação – escolher e se responsabilizar- e com as condições para o seu exercício que admitem um mínimo existencial de natureza econômica, física, social e educacional. A Constituição brasileira de 1988 traz o predomínio da dignidade como autonomia sobre a dignidade como heteronomia, aquela relacionada a valores morais compartilhados pela sociedade com impacto sobre a liberdade individual. O consentimento do paciente expressa a conjunção da dignidade autonomista na intersecção entre Bioética e Direito.
Caso haja parecer favorável à justificativa religiosa do não consentimento para a transfusão de sangue para paciente Testemunha de Jeová direcionará para reforço a uma interpretação de maleficência para o paciente e de obstinação terapêutica para o médico. Em outras palavras, o reconhecimento do direito de manifestação do paciente capaz implicará numa segurança para o médico que resulta decidido por não transfundir sangue perante risco iminente de morte evitável, ou seja, mesmo numa emergência não caberia um rótulo de negligência profissional mas sim de prudência – virtude e ética.
A Bioética da Beira do leito está atenta e interessada a esta conjunção de poder/dever/querer. Entende que a forma humana de comunicação ao paciente Testemunha de Jeová para esclarecê-lo sobre a iminência de morte, a fundamentação tecnocientífica sobre o potencial de beneficência da transfusão de sangue e a evitação de atitudes de coerção ou proibição sobre a manifestação do (não) consentimento devem ser praticadas, ou seja, estímulo ao diálogo.
Evidentemente, o médico dará atenção aos ditames da consciência, mas é essencial a atenção ao paciente, não apenas uma reação isolada e preconcebida ao tomar conhecimento da crença do paciente pois nunca é demais reforçar que a vontade do paciente capaz importa, embora sujeita a outras implicações de deveres e direitos.
Por fim, é uma realidade que a beira do leito convive com crentes, ateus e agnósticos e o Código de Ética Médica 2018 inclui o princípio fundamental I- A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza e o art. 23- É vedado ao médico tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Aliás, o Código de Moral Médica 1929 já propunha em seu Art. 7º- O médico deverá respeitar as crenças religiosas de seus clientes, não se opondo em caso algum nem por qualquer motivo ao cumprimento dos preceitos religiosos. Vale relembrar Albert Einstein (1879-1955): A ciência sem religião é manca, a religião sem a ciência é cega. Ou seja, a transfusão de sangue perante objeção religiosa não flui com desenvoltura e não visibiliza a somatória dos prós e dos contras.