A questão da transfusão de sangue e paciente Testemunha de Jeová transcende este caminhar e até aqui uma conduta plausível segundo a consciência profissional é evitar a transfusão de sangue ao máximo da fronteira de uma mudança evolutiva irreversível do prognóstico de vida do paciente para o curtíssimo prazo.
Entretanto, qual seria uma proposta de conciliação admissível entre a verdade da ciência que sustenta uma deliberação ética e moral em que o médico não deve permitir a morte do paciente por absoluta falta de uma transfusão de sangue que está disponível e o valor da vontade de quem é o objeto da aplicação da ciência?
Há o poder da lei – ou força-de lei. Há um território onde o profissional da saúde transita com maior desenvoltura do que o paciente para considerar as questões de conduta terapêutica. A contemporaneidade, contudo, introduziu com vigor ético a necessidade do reconsiderar (a)caso a (a)caso, um lidar com recorrências complexas que se tornaram habituais sem uma precisa orientação, assim trazendo desafios para delinear limites para articulações entre subjetividades da criatividade espontânea e objetividades das evidências sistematizadas.
De certa forma, o teor da negação a uma transfusão de sangue em iminente risco de morte evitável pode restringir a liberdade do médico de estender o bem para aquele paciente e, assim, limita o poder da tecnociência. Qualquer não consentimento a recomendações qualificadas beneficentes ao paciente é antítese da formação técnica incrustada no profissional da saúde, o que significa que sempre haverá dificuldades de adaptação a um modo distinto do aprendido a enxergar a iminência de morte evitável.
A Bioética da Beira do leito entende que cabe o adjetivo irreconciliável entre duas ideias de verdade em se tratando de crença. É o poder de individualidades que influenciam vigorosamente o funcionamento mental, a organização do pensamento, e que precisam ser respeitadas de acordo com os fundamentos da virtude da tolerância aplicada à espiritualidade.
Neste contexto de embate entre beneficência e autonomia, exercícios críticos em torno do principialismo associado à Bioética possibilitam bem distinguir as utilidades de cada princípio. Todavia, não são suficientes para conciliar de um lado o raciocínio ético/moral forjado pela clareza, precisão e construção de experiência e de outro a aplicação no ser humano segundo o contexto, o sentimento e determinantes sociais.