A fim de satisfazer as metas sem as quais as tarefas perdem o foco, o preparo do profissional da saúde necessita do acúmulo de várias dimensões da vida. A soma de eficiência, eficácia e caráter faz tornar-se a melhor versão de si mesmo.
Sob o ponto de vista pragmático do lidar com as agregações dos impactos e do ajustar a aplicação da tecnociência ao contexto humano do paciente, o profissional da saúde não pode ignorar o observado pelo poeta e crítico literário Ezra Weston Loomis Pound (1885-1972): o clássico tem certa juventude eterna e irreprimível. As humanidades admitem esta expressão de rejuvenescimento persistente.
Complexidades e sujeições a mudanças, calibragens entre extremos de ousadia e de conformismo, notória rareza das relações desinteressadas conjugam-se em motivos bastantes para que as humanidades ascendam à condição de essencial na formação do profissional da saúde.
Manter-se alheio às humanidades, ignorar os benefícios de uma arqueologia que permite o resgate influenciador das camadas que foram se superpondo com o tempo é perder chances de usufruir da sabedoria do médico e escritor Oliver Wendell Holmes (1809-1894): a mente humana uma vez esticada por uma nova ideia nunca retorna a suas dimensões originais. Novas ideais com velhas matérias-primas.
A Bioética da Beira do leito reconhece o alto valor para a beira do leito pela preservação da herança cultural e redescoberta das relações entre matéria e forças acumuladas através dos tempos. Ampla troca de conhecimentos como a que ocorre na transdisciplinaridade enfatizada pela Bioética contribui para a tolerância entre pessoas e coesão entre as mesmas, para tomadas de decisão em meio a complexidades éticas, para desenvolver pensamento crítico sobre o clássico e a inovação, para crescimento pessoal e amparo espiritual.
A Bioética da Beira do leito prestigia a beira do leito que justifica a presença das humanidades como ato de curiosidade intelectual que se transforma em instrumento de articulação entre a tecnociência e a ética. Não pode ser ignorado, todavia, a tendência a encolhimento da tradição sobre a apreciação leiga de artes, música e literatura, bem como as advertências do sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) que denominou modernidade líquida a atual rapidez e imprevisibilidade da transformação de ideias e relações estabelecidas entre as pessoas.
Fluidez contemporânea à parte, influências da literatura, por exemplo, facilitam ao estudante de ciências da saúde compreender melhor aspectos psicológicos e sociológicos da prática na beira do leito, especialmente o reconhecimento mútuo do outro.
A Bioética da Beira do leito interessa-se por humanidades por várias razões que incluem o pressuposto de fator de comunicabilidade entre as realidades da sociedade e as da beira do leito, vale dizer, fornecedoras de matérias-primas para os preenchimentos da beira do leito com ética.
De fato, visando ao envolvimento com o atingível e o praticável na beira do leito, a ética provê estrutura, permite que uma abstrata “saúde em si” seja efetivamente saúde de alguém, saúde de um determinado alguém. Traz à tona a questão Bom para quem? Entendendo que as ciências da saúde criam utilidades que não podem ignorar os valores das pessoas. A leitura sobre adversidades numa bula de medicamento pode inibir um (bom) uso sustentado pela ciência enquanto que a recusa do médico a dar um atestado de favor frustra um pretenso bom uso na óptica do solicitante.