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407- A conquista da beira do leito pela Bioética (parte 3)

Métodos em prol da Saúde sustentam a força da Medicina como um bem para todo o ser humano. Doenças acontecem, quer por razões individuais, quer por fatores ambientais e a necessidade universal de as combater ou prevenir  torna a Medicina este bem comum da humanidade que não reconhece fronteiras geográficas mas preocupa-se com limites morais.

A formação do médico que é essencial  na graduação e cada vez mais necessária após a formatura reúne vontades profissionais de âmbito geral como o conhecimento de bases anatômicas e fisiológicas e natureza particular como direcionamentos para especialidades e áreas de atuação.

Estas vontades após o recebimento do número de CRM transformam-se em responsabilidades profissionais (É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência) e em direitos (Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente) associados a princípios fundamentais (O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade).

Acontece que a disposição do médico em aplicar os métodos validados na Medicina e de acordo com princípios, direitos e responsabilidades não deve representar um ato de paternalismo no sentido de um poder a ser obrigatoriamente obedecido pelo paciente. Mais corretamente, deve ser um ato de acolhimento que conjuga recomendação (do médico) para aderir e aceitação (do paciente) segundo próprio entendimento.

A liberdade do paciente de participar ativamente do processo de decisão sobre a sua saúde ganhou força com o reconhecimento dos abusos verificados no decorrer do século XX, especialmente na sua primeira metade, relacionados com práticas de pesquisas imorais e de assistência sem a exigida fundamentação científica. Concomitantemente, a Medicina progrediu vertiginosamente e passou a recomendar pretensões de benefício devidamente pesquisadas que, contudo, não podem se isentar da possibilidade de  efeitos maléficos.

Assim, o século XX terminou com mais métodos produtores de benefícios e mais atenção à segurança da aplicação em função do potencial de danos, tanto efeitos inevitáveis quanto adversidades evitáveis, e, por isso, mais situações de permitido e proibido, correto e incorreto e justo e injusto acentuaram a conveniência da constante interpretação dos valores e deveres morais na relação médico-paciente.

A beira do leito contemporânea convive com a questão Bom ou Mau sob alguns pontos de vistas. Há as previsibilidades desta relação que podem ser esclarecidas pelo médico ao paciente e há as imprevisibilidades. Assim como a formação técnica do médico reúne vontades gerais e individuais, a formação de vida do paciente apoiada no seu caráter, personalidade e temperamento condiciona vontades que se encaixam como algo bom ou algo mau. Melhor dizendo, algo bom para o médico pode ser entendida como mau pelo paciente, ou até como algo bom mas não desejado no momento por uma série de argumentos pessoais. Esclarecimentos costumam trazer uma conciliação de visão, mas nem sempre.

A consecução ou não da harmonização  de pontos de vistas é uma preocupação da Bioética da Beira do leito. É essencial destacar que, assim como médicos têm direitos e responsabilidades, o paciente tem o apoio de regras e leis de modo geral e, ao mesmo tempo, a garantia de exercer preferências, liberdade que como se sabe associa-se à responsabilidade pela deliberação.

É de se prever que a formação do médico determine tendência ao entendimento a uma não-liberdade teórica do paciente em recusar a recomendação, uma atitude de imposição  por sinceridade da sua consideração de Bom para a circunstância, mas que representaria disposição paternalista.  Por sua vez,  a liberdade prática deve ser respeitada, ou seja, a vontade livre do paciente sobre o apresentado como Bom pelo médico para dar ou não o consentimento. Ciência e Ética, portanto, não são antagônicas, elas podem suscitar  posicionamentos diferentes, um fato do cotidiano da beira do leito  ordenado por caminharem de pontos de partidas distintos.

A Bioética da Beira do leito entende legítima a liberdade  interna do paciente que se manifesta externamente num não consentimento parcial ou total. Assim como o médico tem acesso a sintomas e sinais do paciente e os trabalha segundo métodos técnico-científicos validados em nome da necessidade e da preservação (qualidade de vida e sobrevida), o processo de tomada de decisão que acompanha deve se conectar ao espaço interior do paciente que é subordinado a apreciações individuais – vale dizer, plurais- da necessidade e da preservação.

Cada observação do médico precisa gerar um discurso de representação para o paciente, ou seja, traduzir a visão técnica por outra leiga pretendendo um acompanhamento pari-passu esclarecedor que dê subsídios para um mais bem fundamentado exercício da liberdade de expressão sobre Bom ou Mau.

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