Uma tomada de decisão na beira do leito é habitualmente precedida por uma sequência de movimentos e contramovimentos que, idealmente, devem ficar esclarecidos no âmbito da conexão médico-paciente.
Os pensamentos que se sucedem em resposta às necessidades de atenção às questões de saúde do paciente são tradicionalmente dominados pelo médico por deter o conhecimento e a habilidade técnico-científicos. É representação da competência. Contudo, a competência tem um terceiro componente que é a atitude que acresce o elemento ser humano nos processos de deliberação.
Por razões óbvias, os pensamentos sustentados pela Medicina predominam sobre aqueles baseados em outras esferas do saber. Além do paciente, a beira do leito é frequentada por profissionais da saúde com seus alcances disciplinares. Entretanto, ao mesmo tempo que esta interdisciplinaridade numa bolha de ciências da saúde não basta, é inapropriada a presença rotineira de outros profissionais para colaborar ao vivo com suas expertises no processo de tomada de decisão. Seria o caso da beira do leito contar à vista de todos com advogados, filósofos, antropólogos, sociólogos, matemáticos e tantos outros.
Pela impossibilidade, os profissionais da saúde necessitam de uma assessoria que de alguma forma traga contribuições destas áreas do conhecimento para construir deliberações complexas. A interdisciplinaridade que abrange disciplinas fora do contexto das ciências da saúde é exercida pela Bioética. Ela, inclusive, chega à transdisciplinaridade que admite a ausência de fronteiras estáveis entre as disciplinas e a pertinência do conhecimento não sensível.
Assim, há, teoricamente, cinco possibilidades: 1- O domínio pelo profissional da saúde de um vasto conhecimento interdisciplinar, tendo noções de uma ampla gama de conhecimentos fora do seu ofício básico; 2- A real presença na beira do leito das várias expertises, configurando um time essencialmente plural; 3- A possibilidade da presença na beira do leito da(s) específica (s) expertise(s) quando se entender necessária(s); 4- A disponibilidade de contar com uma representação da Bioética de fácil alcance por meio de inter consulta; 5- A presença constante da representação da Bioética em cada beira do leito.
Como pode ser facilmente depreendido, as opções esbarram em aspectos sócio-econômico-culturais. Não obstante, parece permitir o consenso o entendimento que há uma grande diferença entre a presença ativa de um representante que possa opinar à medida que surgem os movimentos e os contramovimentos e a possibilidade de único profissional dominar tantos saberes. Acresce que é diferente também o médico responsável precisar ter amplo alcance para chegar à opinião que algo necessita de uma assessoria imediata e um representante estar presente com toda a extensão do seu conhecimento.
Esta reflexão de alguma forma explica uma carência de capilarização da Bioética na beira do leito. De um lado, está a cultura médica que não valoriza o que não é a ciência que a sustenta e de outro, a impossibilidade da presença rotineira, à disposição, de um representante da Bioética nos processos de tomadas de decisão à beira do leito. Até porque, quem lida com Bioética costuma ter sua atividade profissional centrada em outros objetivos, o que significa escassez de tempo para uma maior dedicação pelo gosto a esta fascinante ponte que liga tudo que dá sustentabilidade para fazer o bem clínico melhor para o paciente.
Conhecemos a questão. Precisamos construir modelos de solução adaptáveis a cada ambiente de beira do leito. Mãos à obra! A Bioética da Beira do leito está engajada!