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347- Estou médico conectado, logo existo

O conceito de time cresce em importância na Medicina contemporânea em função da fragmentação e do aprofundamento técnico-científico das especializações em crescente desenvolvimento. É impossível único profissional clínico dominar amplo conhecimento up-to-date e ter o acúmulo de experiências que lhe proporcione plena segurança profissional sobre tudo de que um caso necessita, além de limites impostos pelo cotidiano. Por isso, a relação médico-paciente contemporânea admite desdobramentos para relação time de médicos-paciente, habitualmente com um coordenador responsável  e vários efetores de diagnóstico e de terapêutica, lembrando que a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida de acordo com o Art. 1º do Código de Ética Médica vigente.

Assim, a beira do leito beneficia-se cada vez mais do concurso multiprofissional e interdisciplinar. O médico responsável pelo caso internado é condutor do mesmo 24 horas ao dia com picos de atuação tradicionalmente associados ao passar visita- conversar, examinar, pensar, apoiar-se e prescrever. Evidentemente, processos de tomada de decisão não se restringem à presença ante o paciente, o médico ético mantém muitas janelas abertas ativas, cada qual ventilando ininterrupta prudência e zelo não-presencial a uma simultaneidade de pacientes.

A ausência de presença física com persistência de pensamento cuidador com influências de outros profissionais orienta o uso do lápis&borracha para mais adequado desenho dos dados e dos fatos recolhidos desde o paciente e decorrente conduta. Um habitual vai-vem na construção do raciocínio clínico para as recomendações representa adições interdisciplinares de matérias-primas da Medicina que preenchem lacunas com a experiência coletivizada ou a individual. A coletiva é universal derivada da irmandade global conhecida por literatura, fonte de confiança do acervo da Medicina com credibilidade associada não somente à autoria, como também aos filtros editoriais. A individual refere-se ao colega que detém saberes, sabedoria e habilidades em particularidades do caso em questão e se manifesta ou por algum exame que tenha feito no paciente ou pela colaboração sobre conhecimentos e sobre atitudes.

O estar cuidando não presencial clássico – figura da visita como momento exclusivo da atenção- sempre deixou graus de apreensão no clínico, razão de dar um telefonema para a enfermagem, solicitar uma passadinha do plantonista, até mesmo, uma nova visita ao final do expediente tão-somente para conferir. Este off line é causa de perdas de timings em tomadas de decisão. Por outro lado, uma intensa conexão on line pode colidir e perturbar com demais obrigações profissionais e pessoais do médico.

Tradicionalmente, quando acontece uma situação de maior preocupação, um telefonema- fixo para fixo- é o instrumento de comunicação do hospital com o médico responsável. Desde Alexander Graham Bell (1847-1922), o tilintar do telefone faz ansiar pelo atendimento, o que traz evidente potencial de inconveniências, não se sossega enquanto não se atende. Na última década, desvaneceu-se a inicial hesitação na inclusão da disponibilidade do celular – leia-se smartphone- para a comunicação com o médico.

Nesta esteira, um aplicativo moderno de comunicação como o WhatsApp ganha rapidamente um sinal verde da comunidade médica para atenção, direta ou indiretamente, às necessidades do paciente. Suas vantagens incluem: a) mantém um tilintar de alerta semelhante ao do telefone; b) o texto possibilita imediata avaliação do nível de urgência de resposta – ajuda proporcional ao teor da mensagem, melhor que já  traga o que se deseja comunicar e não um apenas Doutor?; c) permite pronta resposta, já com orientação inicial ou a informação da ciência do problema e intenção de interação num determinado prazo; d) documenta; e) eleva a disponibilidade do time pela constituição de redes mais permanentes ou mais transitórias para individualidades de pacientes. Com uma certa liberdade ética, diria que o WhatsApp configura-se como um volante de prontuário, vale dizer, a ser utilizado com a mesma devida circunspecção.

Neste contexto, tenho ouvido algumas objeções à adoção clínica do WhatsApp que entendo pertinentes pelo ímpeto da novidade num meio tão tradicional, todavia, perfeitamente contornáveis para a sua assimilação pela prática. A primeira é que comprometeria o sigilo profissional. Creio que a possibilidade é menor do que à relacionada ao consagrado uso do telefone, por vezes tão anti-ético quanto despercebido, onde a voz alta nem sempre fica inaudível para ouvidos de terceiros. Acresce, o constante do quadro a respeito do aplicativo.

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A segunda é que estimularia um excesso de comunicação pela facilidade do acionamento. Não há dúvida que o julgado importante pelo paciente e para o paciente pode não ter o mesmo entendimento pelo médico. Creio que a disponibilização do método pode ser racionalizada pelo esclarecimento sobre a adequação do uso. A terceira é que respostas por escrito, não somente seriam consultas sem exame do paciente, como também, poderiam ser provas incriminatórias pelo potencial de serem interpretadas como negligência – ligo depois-, ou constituir demonstração de má prática em função da subsequente evolução clínica – tome um analgésico, em circunstância que evolui para uma situação emergência, por exemplo, uma cefaleia que é habitual mas que agora sinaliza uma hemorragia cerebral por uso de anticoagulante.

A sexagenária Lei n.º 3.268, de 1957, dispõe que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica. Aguardemos, pois, novos posicionamentos sobre a eticidade de meios eletrônicos, incluindo o uso de aplicativos como WhatsApp, o que, diga-se de passagem, nunca foi preocupação com o uso do telefone, um não presencial com fortes vieses anti-éticos.

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