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315- Desculpe, Bio o quê?

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Quanto tempo diário um médico -profissional da saúde em geral- lê ou troca ideias sobre Ética? Quanto tempo diário ele individualiza o pensamento sobre o atendimento ao paciente na dimensão da Ética?

Arrisco uma resposta com números generosos: 90 segundos diários em média. Entendendo que a média estaria sendo puxada para cima por um contingente reduzido que se ocupa muito, muito  mais. Uma estimativa, claro, carente de uma pesquisa estruturada, porém, creio, aceitável na parte da “Achologia” que se pode admitir pela impressão desde algumas amostragens no Brasil.

Mas e a interpretação deste comportamento? É bom? É mau?

Considerar bom significaria que a Ética é matéria prima bem incorporada ao profissionalismo, que trabalha “no automático” e, a sentir pelos  resultados com os pacientes, não dá mostras de estar insuficiente, merecedora de  novos aprendizados.

Considerar mau significaria, ao contrário, um “não cair a ficha” que deixa lacunas importantes no atendimento não corriqueiramente conscientizadas, imperceptíveis mesmo, quando a carência determina falhas, até o momento em que algum fato relevante então  “explode” e dá destaque à Ética.

Muitos dirão – asseguro que eles existem de fato- que a Ética como disciplina é pouco interessante para quem “quis ser profissional da saúde” e motivo de dedicação por uns poucos, como referido acima, com vieses políticos e menos dedicados ao contato assistencial direto com o paciente, quer em Escolas de Medicina, quer em órgãos de classe como os regionais Conselhos de Medicina. Eles mostrarão convicção que a Ética é finalidade e não meio de trabalho dos mesmos e desfocada – noção de irrelevante mesmo- da Medicina baseada em evidências. Os adeptos desta, por sua vez, entendem que as soluções que possuem – quando as têm-  são suficientes em si para atender às necessidades do paciente, que o filtro da Ética já foi utilizado na aprovação da pesquisa, na validação governamental para o uso assistencial e na inclusão em diretrizes clínicas.

É de se salientar que na formação do médico, o ensino na Faculdade apresenta a Ética ao estudante de Medicina numa fase pouco retentora da mesma porque desligada dos movimentos e contra movimentos entre ciência e humanismo que só são sentidos quando há envolvimento de responsabilidade com as vivas realidades dos atendimentos. Evidentemente, há muitos aspectos técnicos nesta situação de esquecimentos do conhecido em aulas de anfiteatro, todavia o internato e a Residência médica, genuínas atuais salas de aula sobre Medicina, cuidam deles com enorme diferença em relação àqueles formais da Ética. Residentes de Medicina debruçam-se sobre diretrizes clínicas, sobre fundamentos técnico-científicos gerais ou da futura especialidade, mas esta noção de imprescindibilidade não se vê em relação ao Código de Ética Médica – estão longe de conhecer seus artigos com mesmo interesse e precisão. O número do CRM  no carimbo médico não é atestado de conformidade ética.

Já quando é médico atuante, o termo Ética, não infrequentemente, soa como ameaça de fiscalização profissional, instrumento de punição para maus médicos – o que “não é o meu caso, evidentemente, ora!”, mas  com uma pitada de receio de vir a ser alvo de alguma “incompreensão”. Gera-se, assim, uma propensão ao afastamento e, até mesmo, uma sensação  de crítica, estimulando a construção de um “muro” alienante evitador de advertências.

E agora inventaram tal de Bioética! Dizem que é para transformar o muro em ponte. Será? Leitores assíduos das revistas de maior índice de impacto em suas especialidades pouco se deparam com referências à Bioética. Em decorrência, gera a dedução que Bioética representa peso irrelevante para o cotidiano tão atribulado. A conclusão de desconexão comunga líderes profissionais, formadores de opinião, mestres-exemplo para os mais jovens com quem convivem frequentemente. Nem mesmo o hospital onde trabalha, percebe o médico, tomou a iniciativa de incluir alguma participação desta Bioética que, aliás, lhe soa meio que filosófica, teórica, à margem do dia-a-dia que o move e, de certa forma contaminada pela sua herança da palavra ética. Não tenho tempo para isso é resultante anunciada.

A Deontologia é antiga e não tem sido sedutora. A apreciação histórica sobre deliberações e normatizações ao longo das sucessivas edições de nossos Códigos de Ética evidencia que o médico brasileiro foi perdendo “direitos” e um sentido de poder ao longo do século XX (Quadro).

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A Bioética é nova, nasceu do protesto contra a desumanização. Ela se propõe a cooperar para o equilíbrio entre a acelerada inovação tecnológica de impacto direto no ser humano e a lenta adaptação natural do Homo sapiens. Ela  apoia a adaptação pessoal e profissional a novas realidades do presente que se materializam com acentuada celeridade, diversidade e impacto transformador. Darwin (Charles Robert, 1809-1882), se ressuscitado, teria novas e estimulantes questões sobre a Evolução.

O dia tem 24 horas e somente num dia por ano, quando termina o horário de verão, tem 25 horas. O pretendido pelo médico como pessoa e como profissional parece não caber neste período de tempo. Nem o 29 de fevereiro refresca porque ele é rotineiro, está longe de ser um dia extra. A Bioética precisa ser sedutora bastante para incutir utilidade ao médico e assim competir em condições de real inserção com os demais afazeres rotineiros. Quem conseguiu enxergar o carisma da Bioética, atestou que vale a pena. Por enquanto, contudo, é trabalho de Sísifo para os bioeticófilos.

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A boa notícia é que cresce o número de ilhas densificando o arquipélago da Bioética. Esforços abnegados têm conseguido baixar as águas revoltas que o separam do continente técnico-cientifico, esperança de “terra contínua”.

A fórmula para promover a expressão sedutora da Bioética? Bem, não faltam sugestões. O que me parece essencial é: Foco no  jovem médico, na compreensão do seu cenário profissional atual e futuro e no apoio que lhe soe benéfico, seguro e em  equilíbrio de autonomia.

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