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314- Bioética e médico justo, generoso e solidário

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Crédito: http://recursosparamiclasedereligion.blogspot.com.br/2014/09/un-amor-mas-que-justo-puzzles.html

Certa ocasião um colega referiu-se a seu orientador e exemplo profissional como justo, generoso e solidário. Lembro-me que gostei da manifestação de afeto e reconhecimento de gratidão, porém fiquei com a impressão que a verbalização havia sido retórica e repetitiva.

Recentemente, recordei-me desta observação quando revi A generosidade, capítulo 7 do Pequeno Tratado das Grandes Virtudes – editora Martins Fontes, 1996-  do filósofo francês André Comte-Sponville (nascido em 1952).

Compreendi da leitura que ser justo é  atribuir a cada um o que é seu, só ficar com parte que lhe cabe, não violar interesses legítimos alheios, uma expressão de igualdade ou proporção; que ser generoso é ser livre para a própria vontade de oferecer algo que não lhe faz falta a outrem, o que é o contrário de ser egoísta; e que ser solidário admite uma reciprocidade, uma superposição de interesse, uma conotação de pertencimento a um conjunto.

Ocorreu-me transpor a tríade para a beira do leito. O que seria um médico justo, generoso e solidário com o paciente?

O médico justo, pelo que posso depreender, é aquele que põe o seu poder derivado do saber validado e atualizado em Medicina, da habilidade constituída na vivência prática e da consciência articulada com a moral e a ética, a serviço do paciente, do direito de cidadão de receber atendimento médico em igualdade de condições – as mais reconhecidas pelo estado da arte como promotoras do benefício com segurança- com aquele paciente “virtual” referido nos textos de Medicina e com os demais pacientes “reais” que estão sendo cuidados em circunstâncias clínicas análogas. O médico justo, assim expressa-se num contexto objetivo e universal  da sua profissão que requer dispor de recursos e utilizá-los sem desperdícios, o que vale dizer exerce o seu poder profissional com a ponderação da prudência para a seleção criteriosa dos métodos e o juízo do zelo para a hábil utilização.

O médico generoso traz afetividade para a relação médico-paciente na medida em que ele exerce o seu profissionalismo com liberdade de vontade de oferecer técnico-ciência que lhe sobeja para assistir necessidades de saúde do paciente. O médico generoso propõe-se a conectar-se com desejos, preferências, objetivos e valores do paciente com dose de tolerância e isento de maus direcionamentos por conflitos de interesse. O médico generoso procura ativamente complementos ao seu saber na literatura e/ou na interdisciplinaridade com colegas para evitar que faltem ao paciente, cuidando para dedicar o tempo que se faz preciso para satisfazer o princípio fundamental  II – O alvo de toda a atenção do médico  é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional do Código de Ética Médica vigente. Combinação de justiça com o saber e de exigência moral que, inclusive, vai além do mesmo, pela expressão da generosidade.

O médico solidário sente-se parte do conjunto de recursos humanos na Saúde. Especificamente em relação aos demais médicos, é  estar amoldado ao princípio fundamental XV do  Código de Ética Médica vigente: O médico será solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa, seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício ético-profissional da Medicina e seu aprimoramento técnico-científico. O médico solidário valoriza a interdependência, comunga interesses, faz concorrência leal com o colegas, dando sua parcela de contribuição para a preservação do possível de uma ideal plataforma ética, justa e generosa.

O médico justo, generoso e solidário- graus distintos de cada atributo podem ser reconhecidos em cada um- conjuga-se no esforço para fazer o bem animado por seus valores morais. Frente ao paciente, ser justo, generoso e solidário significa dedicar-se à excelência na realização dos objetivos da Medicina, buscar explicações e caminhos, conceder-se honrando a tradição da profissão, ajustar-se com simultaneidade a manifestações clínicas, culturais e legais, empreender diálogos para esclarecer que tem limites nas limitações da Medicina e nas peculiaridades da condição humana, empenhar-se para fazer o paciente sair de labirintos clínicos.

A Bioética tem em suas missões contribuir para que o médico não deixe nem de pensar nem de ter uma dimensão para si sobre o valor da imagem de justo, generoso e solidário perante a sociedade. Desta forma, pretende cooperar para a consistência  na busca de um fim superior imprescindível representado pela dignidade profissional. Na medida contemporânea do já intuído por Hipócrates (460 ac-370 ac) nas linhas e entrelinhas do seu Juramento.

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