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252- A Cesar o que de Cesar

cesarEm 1865, o inglês Thomas Redford  chamou atenção para a amargura de sentimento e animosidade entre os chamados cesarianistas e anti-cesarianistas. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2325598/?page=1. Era época onde se sucediam relatos isolados de parto cesáreo com sucesso, coincidentes com a introdução da anestesia inalatória. No Brasil, anos antes, o médico militar e antigo barbeiro José Correia Picanço (1745-1823), o Barão de Goiana, realizou a primeira cesariana que se tem notícia no Brasil, realizada no Recife em 1817, numa escrava. http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/35015/37753

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Crédito: http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-19.pdf

Após 150 anos do auge do embate entre cesarianistas e anti-cesarianistas, publicou-se no The Lancet: Dados de 150 países evidenciam que o número de cesáreas elevou-se para níveis sem precedentes (média de 19% de todos os nascimentos) – sendo que no Brasil atinge cerca de 50%, especialmente no setor privado-, correspondendo a milhões de cirurgias desnecessárias e a custos excessivos. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673616303555.

Não faltam situações  gestacionais onde o parto cesáreo é recomendação indispensável  de prudência e de zelo. para benefício e segurança materno-fetal. Estatísticas sobre o risco materno em relação ao parto vaginal são perfeitamente aceitáveis em função do benefício e da segurança materno-fetal associados às recomendações cientificamente validadas.

Há evidências que variações a respeito das taxas de cesárea eletiva estão ligadas a tomadas de decisão no período pré-natal, mais do que aquelas na iminência do parto. Razões de natureza psicossocial das gestantes são destacadas como fator da preferência das gestantes pelo parto cesáreo. Assim, os tradicionais meses de acompanhamento pré-natal acumulam oportunidades para que o médico transmita à paciente informações sobre benefícios e riscos dos métodos de parto e para a exposição dos pensamentos da gestante a respeito.

Neste junho de 2016, o Conselho Federal de Medicina houve por bem editar a Resolução 2144/2016 que trata da realização de cesariana por vontade da gestante. Refere-se a situações onde a segurança do binômio materno-fetal estaria preservada no parto vaginal. Habitualmente, não havendo entendimento de benefício e/ou elevação da segurança pelo parto cesáreo num determinado caso, o obstetra recomenda o parto vaginal e assim se dá o nascimento do bebê. http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26247:2016-06-20-16-06-10&catid=3  http://portal.cfm.org.br/images/stories/pdf/res21442016.pdf

A Resolução confere eticidade à circunstância onde objetivos, desejos e preferências da gestante pela submissão à cesariana, em ausência  de indicação técnico-científica validada, poderiam ser atendidos pelo médico desde que a gestação tenha alcançado as 39 semanas. Ou seja, que haja a mais sensata justaposição à data do nascimento que aconteceria naturalmente por trabalho de parto.

Uma conquista  recente da sociedade foi o direito de participar ativamente das decisões sobre a própria saúde. É o que afirma o Art.31 do Código de Ética Médica vigente: É  vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. 

Por outro lado, o Princípio fundamental VII do mesmo do Código de Ética Médica assegura que o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

Esta dualidade de autonomia precisa ser bem interpretada à luz de cada situação clínica. Bom senso é sempre bem-vindo. Atitudes radicais, especialmente exigências em ausência de urgência/emergência, elevam a incidência de danos por imprudência e/ou negligência. O valor está na qualidade da conexão médico-paciente.

Observar, olhar com sentimento, reconhecer necessidades, ouvir solicitações e expressar responsabilidade técnico-científica são componentes essenciais da comunicação de fato humana do médico que emite e recebe de forma empática, assim facilitando realizar as possíveis conciliações com eventuais diferenças de pontos de vista do paciente. Quando o médico propõe, aguarda-se que o paciente dê ou não seu consentimento, e se preciso for, a disponibilização de mais tempo para o diálogo é sempre vantajosa, desde que não adentre na coerção (Art. 22- É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte).

Há vários pontos positivos na Resolução CFM 2144/2016 que incluem: a) facilita ao médico deixar a gestante ciente durante o período pré-natal que se não houver indicação médica para a realização de cesariana, o parto será vaginal; b) contribui para uma discussão mais prolongada e aprofundada sobre o parto, para a troca de ideias e de pensamentos, para a análise de benefícios e malefícios; c) permite à gestante fazer o pré-natal com outro obstetra, caso o primeiro se posicione por um não consentimento ao desejo da paciente nos termos da Resolução; d) reforça a normatização em Serviços de Obstetrícia, como os ligados a hospitais de ensino, cooperando para o aprendizado sobre o abuso a ser evitado; e) o descumprimento – antecipação de cesariana sem motivo médico- passa a ser fator agravante caso aconteça um dano; f) disciplina intenções de cesariana “com hora marcada”, particularmente quando a gestante almeja ser cuidada no parto pelo “seu obstetra”.

Identifico, todavia, um componente da Resolução que causa certa estranheza. É a denominação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ao documento proposto a ser redigido pelo médico em linguagem de fácil compreensão, sensível às características socioculturais da gestante, contendo esclarecimentos orientadores sobre a cesariana e o parto normal, a ser apresentado à paciente quando ela expressar o desejo pelo parto cesáreo.

A surpresa está na questão: Afinal, de quem é o consentimento quando a proposição é da gestante? Entendo que é do médico, um sim ou um não ao anseio da gestante. Assim, este cuidado ético pela explanação sobre vantagens e desvantagens na circunstância está mais para termo de esclarecimento do médico à paciente – foco sobre o potencial de adversidades no procedimento cirúrgico-, a fim de sustentar ou demover – o que pode ser feito muito bem de modo menos formal e eficiente por meio do diálogo empático, inclusive escalonado durante o período pré-natal.

Pela denominação de termo de consentimento, fica a sensação que é o médico que está propondo o método, como é praxe neste tipo de documento para a pesquisa ou para a assistência. Na verdade, na ocasião do contexto à Resolução, é o médico que deve estar livre para consentir após ser esclarecido sobre a vontade da gestante pela cesariana.

É mais provável que seja um mito a atribuição do termo cesárea ao nascimento de do romano Gaius Iulius Caesar      (100 ac-44ac) seja um mito, esta palavra no sentido original de narrativa preservada pela História e que pode ser inverídica. Mas, são essencialmente verdadeiras as narrativas da Epidemiologia, da Patogênese e da Gestão de recursos financeiros na Saúde que dão vigor à Resolução CFM 2114/2016.

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