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232- DNA – Um ácido… sempre!

Um tema Prêmio Nobel  torna-se  assunto da Bioética. Uma violência à pessoa ou uma providência contra a violência de pessoas? A notícia vem do Kuwait, o emirado árabe asiático com menos do que 3 milhões de habitantes, alto PIB e renda per capita.  Instituiu-se um banco de dados estatal de DNA para moradores e visitantes. Não cumpriu? Multa e prisão? Falsificou? Prisão mais longa.

Todos nós nascemos e vivemos com certas peculiaridades biológicas e comportamentais. Numa comunidade restrita, é fácil reconhecer de quem é uma voz, um toque de campainha, uma letra, um andar, uma atitude.

Temos as impressões digitais. Todo brasileiro as fornece ao tirar a Cédula de Identidade. É rotina que não depende de consentimento. A prática deve ser creditada longinquamente ao antropólogo britânico Francis Galton (1822-1911), quem  afirmou que terminações e divisões dos sulcos na pele dos dedos são específicas para cada pessoa e não mudam no curso da vida e, proximamente, às ideias do piauiense José Félix Alves Pacheco (1979-1935) -epônimo do Instituto de identificação Felix Pacheco- sobre captação datiloscópica obrigatória.

A biometria cresceu além do dedo duro de si mesmo aposto a uma tinta dita lavável. Outras características biológicas individualizadas foram acolhidas, como a formação dos vasos sanguíneos da retina (fundo de olho), os anéis coloridos existentes em torno da pupila (íris), a geometria da mão, os traços de nariz, queixo, orelhas do rosto de cada um, a voz e  força e velocidade da assinatura.

As “pegadas” modernas  tornaram-se identificações, autenticações e garantia de integridade, como senhas liberadoras de acesso – sou eu quem estou aqui- e rastros -fui eu quem estive aqui. 

Pode-se dizer que o mundo moderno exige o compartilhamento destas particularidades biológicas. Bancos de dados mais ou menos restritos estruturam-se destinados a fortalecer a segurança de pessoas e de instituições. Ocorre, pois, uma evolução do clássico segredo da fechadura decifrado pelo formato da chave ou por combinação de números, facilmente violado, para modalidades sofisticadas de sigilo protetoras contra acessos ilegais. A solitária e  sem graça senha do cofre ganhou colegas bem boladas estimuladas pela imaginação e classificáveis em níveis de segurança.

Adicionalmente, particularidades biológicas acima referidas permitem identificar infratores. Autores de acessos anti-éticos em prontuário eletrônico, por exemplo, são facilmente descobertos em função da própria senha.  O assistente médico que empresta a senha ao Residente de Medicina comete falta administrativa grave.  Contudo, luvas evitam deixar impressões digitais e câmeras de vigilância podem ser desligadas.

Estudos subsequentes à descoberta do DNA pelo bioquímico alemão Johann Friedrich Miescher (1844-1895), em 1869, como a decifração estrutural em 1953 por James Watson (nascido em 1928), Francis Harry Compton Crick (1916–2004) e Maurice Wilkins (1916–2004), Prêmio Nobel de Medicina, em 1962, concluíram que cada ser humano possui um perfil genético exclusivo – exceção dos gêmeos monozigóticos-, o que possibilita identificar e comparar indivíduos, inclusive vínculos genéticos. Funciona como um código de barras. Sequências de DNA de cromossomas possibilitam o estudo do genoma de cada indivíduo e fundamentam o desenvolvimento da chamada Medicina Personalizada.

Recentemente, a identificação do DNA de um “suspeito” foi incluída em questões de interesse individual e público, à margem de um atendimento médico. Um emprego do DNA pela Justiça bem conhecido é a “prova do DNA” para esclarecimento de paternidade, o que demanda consentimento para a coleta de amostra. Outro que se avoluma é torná-lo evidência para esclarecimento e punição de criminoso, como o recolhimento de material orgânico revelador de DNA na cena do crime. Um ganho de objetividade ao sherlockiano Elementar, meu caro Watson!

A crescente valorização do DNA para bem identificar pessoas à margem de um benefício médico começa a preocupar aqueles que colocam o consentimento sobre a revelação dos próprios dados biológicos no mais alto grau de eticidade. Matéria prima para o desenvolvimento de dilemas morais e para a construção de labirintos sociais.

Por um lado, verifica-se que indivíduos nascidos a partir  de doação de gameta, em face de facilidades na obtenção de seus DNA, na Inglaterra, formam redes para descobrir meio-irmãos. Se o próprio consentimento à divulgação do DNA pela prole e ao uso por terceiros fica bem caracterizado, ocorre que enfraquece o tradicional sigilo da doação, a ponto de especialistas afirmarem que o anonimato do doador de gametas não está mais garantido. http://humrep.oxfordjournals.org/content/early/2016/04/08/humrep.dew065.full.pdf+html

Por outro lado, a conveniência da quebra de anonimato proporcionada pelo DNA ganha maiores proporções em razão de violências multicausais como as por razões ideológicas, incluindo terrorismos articulados à religião que preocupam o planeta. O Kuwait aprovou lei, recententemente, que obriga residentes e visitantes a submeterem-se a teste de DNA, penalizando a desobediência. Órgãos ligados aos Direitos Humanos reagiram. Eles alegam que eventual utilidade no contraterrorismo não é justificativa suficiente para uma maciça violação à intimidade e infração aos direitos humanos. https://www.hrw.org/news/2015/07/20/kuwait-new-counterterror-law-sets-mandatory-dna-testing.

Abordagens da questão na Europa e nos Estados Unidos da América sinalizam para a coleção de DNA vinculada a rígidos critérios de Estado. No Brasil,  a Lei 12.654/12 dispõe sobre coleta de material biológico para obtenção de DNA não codificante- preservação da intimidade- para a identificação criminal, armazenamento do obtido em banco de dados, responsabilidade da guarda do mesmo e exclusão determinada pela prescrição do delito.

Há cerca de 2 meses, fui renovar o Certificado Digital. No local, forneci minhas impressões digitais. Confesso que não me ocorreu considerar a possibilidade de consentir ou não. Um procedimento banalizado, creio. Estamos acostumados a tirar impressão digital e, assim, ela não soa invasora da intimidade.  Podemos entender que deixá-la num banco de dados da Imprensa Oficial – servindo, inclusive para conferência com aquela da Cédula de identidade- colabora para nossa própria segurança. Confiamos que quaisquer divulgações e utilizações acontecerão tão-somente em situações de alta necessidade de esclarecimentos.  Na era digital, contudo, qualquer pensamento é válido e de difícil  contestação.

Não há dúvida que o combate a grandes hostilidades da Humanidade direciona para confrontos entre  preservação e revelação de sigilo, para iniciativas de quebra da privacidade e para violações da intimidade. Não faltam argumentos para acaloradas contraposições a respeito do uso utilitarista por agente do Estado do conhecimento científico do corpo humano Prêmio Nobel da Medicina. A benfeitoria para a Humanidade ganhou interdisciplinaridade e se desdobra em pontos de questionamento sobre utilidade e eficácia para o quê, para quem, para quando, para onde? E assim, desperta o apetite da Bioética, que qual escoteiro, mantém-se sempre alerta! E ansiando pela boa ação do dia.  Mas, será considerada boa para qual ponto de vista?

A Ética nem sempre é forte o suficiente para coibir abusos, em seu amplo sentido humano. Ela fica em desvantagem na má-fé. Ademais, é notório como muitos ilícitos valem-se de lacunas legais. O preenchimento das mesmas por leis reativas traz soluções – e também- não tem jeito- oportunidades para novos problemas. Pois é, como se sabe, a unanimidade não frequenta nem mesmo a escolha do Prêmio Nobel.

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