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177- Fosfoetanolamina e Bioética- Parte I

200px-Phosphorylethanolamine.svgO oposto de uma declaração correta é uma declaração falsa. Mas o oposto de uma verdade profunda pode bem ser outra verdade profunda. Assim nos ensinou o Prêmio Nobel de Física (1922) Niels Henrick David Bohr (1885-1962). A Bioética da beira do leito adotou como fundamento. A primeira parte cabe no contexto de um ato médico. A segunda parte cabe no contexto da Medicina.

Conhecimentos podem ser relativos, provisórios e nem sempre frutos de uma neutralidade. Muitos resultantes de alguma atividade científica são usados para justificar pretensōes, ignorando tais características. As pessoas podem até ser verdadeiras sobre crer no que estão fazendo, mas se iludem quanto às premissas, comprometem o valor da crença e criam forte tendência a logo elas frustrarem-se do efeito da fé, ou seja, de já terem se visto beneficiadas.

Atribui-se ao desespero aplicar informaçōes inacabadas numa situação exigente dos acabamentos, como na área da saúde. Contudo, este comportamento humano talvez seja melhor nomeado como esperança, pois desespero é não esperar. Assim, quando ele sobrevém atrelado ao pessimismo com a Medicina, o temor da morte dá asas para ir em busca de um otimismo que possibilite esperar um benefício pró-vida. Ponto fundamental é que o conhecimento frágil representa alta chance de se comportar como a cera de abelha que colava as asas de Ícaro e logo derreta sob o calor da comoção.

O desejo leigo pelo uso da Fosfoetanolamina que recentemente ganhou o noticiário ilustra numa figura de tábua de salvação a atitude de um ser humano que ainda espera vencer o sofrimento. Antecedente de aplicação ligada à USP de repente destacado, qual segredo descoberto, contribui para gerar não somente credibilidade científica, como também despreocupação acerca das dúvidas geradas pela maneira não ortodoxa- a serem esclarecidas pela USP- como se deu a distribuição para certo número de “necessitados” por um cientista-funcionário.

A esperança reconfortadora dispensa análises lógicas pelo leigo, como por exemplo, para quais dos inúmeros tipos de tumor  haveria relato de benefício, afinal para quem tem sede (de viver) a última coisa que importa é saber a composição da água (que reequilibra). Ademais, movimentos emocionais nesta dimensão de sobrevida ganham rastilhos interpessoais, que via internet e redes sociais, tornaram-se muito mais eficientes que o limitado boca a boca que deve ter sustentado a distribuição original.

A Fosfoetanolamina não faz parte da Medicina assistencial, nem medicamento ela é. Também não é um “remédio natural”, uma benevolência da Natureza que possa instigar certa complacência de aceitação. Ela é uma química que foi desenvolvida e como tal o mesmo mecanismo de ação de supostos benefícios contra células  indesejadas pode ser lesivo para as células normais de mesmo paciente. Um conceito primário no desenvolvimento da Pesquisa Clínica sob as ópticas tanto da Beneficência em relação à moléstia, quanto da Segurança biológica para o paciente.

No máximo,  este produto químico, alçado às manchetes leigas sem ter passado pelos órgãos de difusão científica, pode ser uma possibilidade de inovação que talvez já esteja até sendo testada em Pesquisa clínica, o que amenizaria uma sensação de atraso dada pelo histórico revelado com início há cerca de 25 anos. Ademais,  eu não soube de nenhuma iniciativa de acompanhar os pacientes que estão obtendo a substância química  com os olhos  curiosos, organizados e críticos de um pesquisador científico. Se estiver acontecendo, felicitações, não creio que um envolvimento desta natureza respeitando as limitações  para qualquer conclusão, uma simples oportunidade para aquisição de informações, possa ser criticável pela Ética.

Os 4 Princípios da Bioética trazem a vantagem de contribuir para enxergar os conflitos de vários ângulos e, por isso, refrear entusiasmos de aposição de etiquetas de certo e de errado. Desta maneira, o Princípio da Beneficência orienta pela não indicação da Fosfoetanolamina para o propalada objetivo terapêutico, em função da carência de evidências científicas sobre utilidade e eficácia.

O Princípio da Não maleficência exalta a incógnita pela ausência de informação sobre a Segurança biológica do uso. Acresce que é habitualmente complexo em doenças oncológicas firmar a origem de eventos ou na história natural da enfermidade ou como adversidade medicamentosa.

O Princípio da Equidade enxerga a necessidade de direitos semelhantes para todos aqueles que desejam, quer pelo atendimento, quer pelo não atendimento.

Já o Princípio da Autonomia indica que caso o paciente esteja capaz, ele tem o direito de deixar de se submeter ao tratamento recomendado, assumindo a responsabilidade pela resolução.  O médico pode não se sentir à vontade para continuar atendendo ao paciente que assim decide, respaldado pelo Parágrafo 1° do artigo 36 do Código de Ética Médica vigente: ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder. Espera-se, contudo, que neste caso específico do uso da Fosfoetanolamina- alternativo ou adicional-  o médico não decida abandonar o paciente que  lhe declara com sinceridade usar  o “método” que inexiste oficialmente por conta própria, pois, assim procedendo, ele não estaria em conflito com o Direito II exposto no Código de Ética Médica vigente: É direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.

Ao afirmar ao paciente a ausência de evidências, ao não endossar o uso e não havendo intenção de Pesquisa clínica que poderia suscitar o Parágrafo único do artigo 102 do Código de Ética Médica vigente:  A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências, a Bioética da beira do leito entende que o médico deve manter-se ao lado do paciente, observando e avaliando com interesse nos acontecimentos e prestativo em soluções possíveis.

Em outras palavras, o médico deve entender o lado do paciente e a atitude do mesmo em dissonância com os valores do médico não deve gerar um julgamento moralizante. O paciente que se mostra insensível a certas ponderações do médico e que não deseja divergir das demais, não está agindo por quebra de confiança profissional, não está desrespeitando o conhecimento médico, o seu conflito é com a “insuficiência” da Medicina. O paciente necessita alimentar a esperança em outras fontes, frequentemente apoiado por um familiar de quem depende como cuidador, razão pela qual deve-se evitar palavras e atitudes que carreguem um sentido de crítica, rotulação ou depreciação.

Por fim, entendo que não cabe classificar como propaganda enganosa certas afirmações sobre benefícios da Fosfoetanolamina. Pois mentir pressupõe saber a verdade. Ninguém pode estar seguro da utilidade ou da inutilidade geral ou específica da referida química, sem as conclusões pela Pesquisa clínica. Por enquanto, é lícito falar em falta de evidências em humanos, ou seja de dados e de fatos cientificamente processados a permitir interpretações para uso clínico.

O profissionalismo do médico eleva-se pela compaixão, ou seja, recusar-se a ficar indiferente ao sofrimento do paciente. Inclui repercutir uma mescla de dois escritores famosos, William Shakespeare (1564-1616) e Robert Louis Stevenson (1850-1894): Viajar com uma esperança faz reis se sentirem deuses e pessoas normais sentirem-se reis, antes das realidades da chegada.  

 

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