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139-Delação punida

O termo delação tem sido largamente usado para designar a denúncia de um crime. Todavia, o dicionário Caldas Aulete regista também o significado geral de revelação de algo até então oculto. Por isso, entendo que transgredir o sigilo médico é uma delação. Pelas consequências, é uma delação a ser punida.

O sigilo profissional é ponto alto da Ética Médica. Figura o ambiente dos atendimentos  como confessionário religioso. Contudo, a informação a ser preservada é conhecida por dever profissional além da relação entre o médico e o paciente. Assim, o chamado sigilo médico admite conotação expandida, determinando que a clareza sobre limites é essencial.

O abrigo a restrições de comunicação desta natureza compartilha o interesse da Bioética da Beira do leito. Vale estar atento a qualquer movimento de descrédito no sigilo profissional, motivado, quer pela constatação que determinado profissional da saúde-mais objetivamente um médico ou um enfermeiro- não mais evidencia comportamento correto, quer pela generalização que todos os profissionais de saúde devem ser considerados, em tese, inconfiáveis.

O sigilo profissional traz Hipócrates (460ac-370ac) à memória. Na ilha grega de Cós, berço do Pai da Medicina, existe, atualmente, a Fundação Hipocrática Internacional. Ela acolhe um museu com manuscritos que constituem fontes do Juramento de Hipócrates. Os estudiosos afirmam que as traduções para alguns idiomas revelam certas diferenças. Elas são atribuídas a significados de palavras gregas sem equivalentes, especialmente, mas que todas mostram-se fiéis aos preceitos de Hipócrates. http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-04.pdf

Verifica-se, a respeito do sigilo, que há redações distintas brasileiras do Juramento, mas são versões que comungam da essência hipocrática. Assim, há décadas, jovens formandos brasileiros têm jurado, de fato, uma verdade hipocrática:

“… Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra…”

“… Mesmo após a morte do paciente, respeitarei os segredos que a mim foram confiados…”

“… Não relatar o que no exercício do meu mister ou fora dele no convívio social eu veja ou ouça e que não deva ser divulgado, mas considerar tais coisas como segredos sagrados…”.

Desde 2010, médicos  brasileiros estão sujeitos ao cumprimento dos seguintes  7  É vedado ao médico do Código de Ética Médica vigente:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição:

a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;

b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento;

c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.

Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.

Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito. (nova redação – Resolução CFM nº 1997/2012)

(Redação anterior: Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados,além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento do seu representante legal.)

Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.

Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial.

Desejo comentar, mais especificamente, o artigo 78. A razão é que ele é exceção do aspecto que basta ao médico calar-se para que o sigilo seja preservado. Ou seja, o teor do referido artigo alerta para revelações sigilosas indevidas que podem acontecer mesmo tendo médico se comportado eticamente. É um campo muito extenso, cada vez mais novas funções incorporam-se ao dia-a-dia do exercício da Medicina, exigindo colaboradores especializados.

Neste contexto, verifica-se que códigos de Ética de profissionais da Saúde como do enfermeiro http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2012/03/resolucao_311_anexo.pdf e o código existente para estudante de Medicina http://www.portalmedico.org.br/arquivos/CodigodeEticaEstudantes.pdf  explicitam o dever sobre o sigilo profissional:

ENFERMEIRO: É responsabilidade  e dever manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional, exceto casos previstos em lei, ordem judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante legal. § 1º – Permanece o dever mesmo quando o fato seja de conhecimento público e em caso de falecimento da pessoa envolvida. § 2º – Em atividade multiprofissional, o fato sigiloso poderá ser revelado quando necessário à prestação da assistência. § 3º – O profissional de enfermagem, intimado como testemunha, deverá comparecer perante a autoridade e, se for o caso, declarar seu impedimento de revelar o segredo. § 4º – O segredo profissional referente ao menor de idade deverá ser mantido, mesmo quando a revelação seja solicitada por pais ou responsáveis, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, exceto nos casos em que possa acarretar danos ou riscos ao mesmo (art.82); orientar, na condição de enfermeiro, a equipe sob sua responsabilidade, sobre o dever do sigilo profissional (art.83). É proibido franquear o acesso a informações e documentos para pessoas que não estão diretamente envolvidas na prestação da assistência, exceto nos casos previstos na legislação vigente ou por ordem judicial (art.84) e divulgar ou fazer referência a casos, situações ou fatos de forma que os envolvidos possam ser identificados (art.85).

ESTUDANTE DE MEDICINA: O estudante de Medicina está obrigado a guardar segredo sobre fatos que tenha conhecido por ter visto, ouvido ou deduzido no exercício de sua atividade junto ao doente (art.36). O estudante de Medicina não revelará, como testemunha, fatos de que tenha conhecimento no exercício de sua atividade. Convidado para depor, deve declarar-se preso ao segredo (art.37). É admissível a quebra do segredo por justa causa, por imposição da Justiça ou por autorização expressa do paciente, desde que a quebra desse sigilo não traga prejuízos ao paciente (art.38). Devemos nos orgulhar deste documento que, de alguma forma, prepara o futuro médico, que na prática já lida com paciente, como os internos, para as suas responsabilidades, pois, muitos países carecem do mesmo. Ademais, facilita entender e absorver o exemplo dos mais velhos acerca de profissionalismo, ética e leis.

O grande contingente de colaboradores que trabalha em setores administrativos de hospitais e de clínicas deve obediência ao preceito da confidencialidade. Pelo ofício, em interfaces médicas, sociais e financeiras, eles têm acesso a distintas informações sobre o paciente, quer as anotadas em prontuário, quer as referentes a dados cadastrais. Cabe a todos, gestores em geral ou não, orientarem sobre o significado de privilégio de informação e sobre as implicações do mau uso.

A questão do sigilo profissional que está à margem de um compromisso com um Código escrito da categoria profissional tem potencial negativo anti-confiança, que vai desde “fofocas de elevador”, encontros festivos onde há o efeito do álcool de “destravar a língua”, expressões de vaidade- sabe de quem eu cuidei hoje?-, até repasses de nomes e de números a terceiros com intuito de fraude.

Cabe aos profissionais da Saúde expor o oculto das doenças e não revelar o sigiloso do doente. É em função dos Códigos de Ética dos profissionais da Saúde que comunicações  sobre o paciente a eles infratoras tornam-se delação punida. Desde Hipócrates, há 25 seculos, uma questão da consciência profissional.

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