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07-Diretrizes não são algemas, são bússolas

Algemas nos levam sabe lá para onde. Bússolas orientam rotas pretendidas. Destinos terapêuticos almejados, por mais freqüente que sejam atingidos, convivem com percentuais de insucessos. É desejável, pois, que haja uma categorização da eficiência presumível  de determinado método terapêutico, com fundamentação científica para cada possível uso. É a chamada dimensão de efeito da aplicação que é classificável em 4 categorias (Quadro).

CATEGORIAS DE CLASSE

Classe I- Consenso de que o procedimento / tratamento é útil e eficaz.

Classe IIa- Ausência de consenso com tendência à utilidade e à eficácia.

Classe IIb- Ausência de consenso com tendência à inutilidade e à ineficácia.

Classe III-  Consenso de que o procedimento/tratamento não é útil e até pode ser prejudicial.

As classes não qualificam o método em si, elas indicam a conveniência do uso para a circunstância. Portanto, mesmo método pode estar diferentemente classificado na doença A e na doença B. Suponhamo-nos tendo de ir à padaria da esquina.  As pernas são o método útil e eficaz,  andar a pé é classe I e ir pedalando a bicicleta é classe IIa. Pegar o carro é classe IIb, pois tem o potencial de problemas de estacionamento para atingir o objetivo; mas se estiver chovendo…  Já pretender ir de ônibus é classe III.

A convenção para a tetrapartição de utilidade e de eficácia é relativamente recente. A motivação vem da Medicina Baseada em Evidências. Ganhou status de autoridade avalizada por Sociedades de especialidade com credibilidade científica. Uma varredura de resultados universalmente compartilhados na literatura é sistematizada e as análises organizadas por uma reunião de saber e sabedoria. Os membros desta comissão doam o seu tempo para que a comunidade médica em geral  economize o seu pela dispensa de  fazer uma revisão crítica detalhada do conhecimento fragmentado em muitas publicações, cada dia mais acelerado.

Pensar em classes de recomendação terapêutica é costume adotado pelas novas gerações. Uma vantagem é que usufrui de um filtro crítico com poros mais uniformes, uma desvantagem é o reducionismo na fundamentação fisiopatológica  que enfraquece  a capacitação para ajustes impostos pelas individualidades do paciente.

Como a comissão de especialistas não funciona como uma rede social, as idas-e-vindas de posicionamentos acontecem em recinto restrito. Não há acesso da comunidade prescritora da beira do leito ao “risque-rabisque” das discussões. O documento final é, pois, heterônomo, única mão de direção que demanda confiança tácita e suscita questões de  obediência ético-legal.

Uma característica da “autorização ao uso” centrada na Sociedade de especialidade é uma contenção assistencial de novidades até a próxima reunião dos especialistas. Pode-se ver um benefício, a de restringir a perigosa síndrome do último artigo publicado – “agora sim vou tratar bem”, que pode oscilar a cada publicação sobre o tema. É um verdadeiro carrossel, cada nova publicação pode nos dar a sensação de estarmos à frente, mas haverá quem nos veja atrás. “Terceirizar” a análise da validade para a comissão de especialistas pode dar um ponto consensual de referência.

É interessante agrupar as classes em duas categorias extremas e duas intermediárias. A junção mental da I com IIa e da IIb com  III facilita transitar pela relação conhecimento da Medicina-peculiaridades do paciente- expertise do médico e pelas   divergências de conceituadas Sociedades de especialidade, como americana, europeia e brasileira. Fica estranho quando mesma recomendação ganha classe IIa e IIb em avaliações sediadas em quilômetros de distância contemplando mesmo cenário de literatura em ambientes distintos.

Há tendência a eliminar o classificável como III porque ele não deve ser cogitado. Parece-nos  racional, simplifica sem reducionismo. A classe III pode  ter até  interesse acadêmico, mas se faz desnecessária para o cumprimento das boas práticas.

As classes  trazem dinamismo às interpretações de prudência e de zelo na beira do leito. Não recomendar um método classe I ou IIa  para a situação clínica em questão seria uma negligência- desde que não haja impedimentos externos ao médico, como um não consentimento do paciente. Recomendar um método classe III seria uma imprudência. O uso da classe IIb  traz mais complexidade; ele pode se justificar pela prudência na não recomendação de classe I ou IIa.

A Bioética da Beira do leito coleciona bússolas técnico-científicas e descarta algemas de atitudes.

 

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