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106-Alô, Comissão de Bioética!

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Idealistas profissionais da Saúde, batalhadores da efetiva excelência, lideram movimentos de interesse em contar com uma Comissão de Bioética em seus locais de trabalho. São poucos.

Muitos são os casos de intenções, ações ou comunicações inadequadas para uma interpessoalidade sustentada na confiança observados na beira do leito.

Não há  um clima favorável para que a visão crítica dos distintos profissionais que participam do próprio cenário dos acontecimentos com potencial de proposições absolutamente construtivas provoquem um espírito de colegiado e de reciprocidade amigável in loco. Alô, Comissão de Bioética!

De fato, não é habitual fora da supervisão de ensino que aconteçam orientações reconstrutivas de atitude, que, boa fé e experiência dependentes, sejam motivadas pelo desejo de redirecionamentos de comportamento  e  de evitação de conflitos na beira do leito.

Idealmente, seria um ato de coleguismo, expressão de sinceridade em conformidade com o seu pensamento, com o que crê melhor para um ser humano, que uma vez conduzido com respeito, deveria ser recebido com tolerância e com humildade pelo criticado. Na prática, cada profissional da saúde que compartilhasse mesmo cenário enxergando-se um fio condutor de boas práticas como guardião da Ética e posto avançado do saber da Bioética.

A beira do leito é local de aprendizado continuado para qualquer aspecto da relação Medicina-médico-paciente-instituição de saúde-sistema de saúde. Cada profissional partícipe se  funcionasse como sujeito moral para um bem coletivo num clima afável, certamente, minimizaria reincidências de ilícitos éticos e sustentaria a construção de um sistema próprio de auto-vigilância da beira do leito, assim aprimorando a estética da mesma. Há muito, contudo, percebeu-se que esta reflexão é imaginativa, utópica mesmo. É tarefa para um time organizado. Alô, Comissão de Bioética!

Fico pensando se a indiferença inter pares é uma questão ligada às pessoas ou ao sistema. Talvez a ambas, influência da falta de desejo, do tipo de educação, do hábito construído e da memória seletiva.  Um possível efeito desencorajador do currículo oculto, ou seja, o jovem  espelha-se no que o mais experiente faz e como este não faz…

É comum estudantes de Medicina externarem observações críticas a comportamentos percebidos no internato e indagarem porque não ocorrem intervenções dos superiores, que são apontados também como praticantes de má condutas. Mais velhos comportam-se, neste aspecto, como maus exemplos para jovens idealistas por justiça e por liberdade. Estes, mais tarde repetem o (não) aprendizado e praticam as atitudes que criticavam, perpetuando o modelo.

É como prevalecesse a sensação que as desvantagens para si não compensariam as vantagens para os demais.  O que seria simples de se fazer – “…colega, talvez seja mais adequado…” não parece trazer segurança. Isto porque parte-se do princípio que só pequena percentagem dos profissionais de saúde que conduzem casos, quando recebe uma sugestão atitudinal, quando instado a uma troca de ideias, reconhece legitimidade na abordagem. Reforça-se, assim, a maioria que  fecha os olhos. Acresce a interpretação de patrulhamento, como se a retina do colega que deseja ajudar fosse na verdade uma câmera ligada a algum Grande Irmão- um ilusório BBB Big Brother Bioethics.

Apreende-se no cotidiano que é sabedoria não intervir por iniciativa própria, que se aguarde uma sinalização de ajuda. Seria um excesso de academicismo, de idealismo, uma interferência na autonomia do profissional de saúde, não importa que ele esteja numa enxurrada levado para sabe lá onde. Esta realidade tornou-se norma “ética” não escrita. Que parou no tempo. Alô, Comissão de Bioética!

Neste contexto em que integrantes de “mesma comunidade” não se sentem interdependentes além do tecnicismo, percebo que a interpretação habitual mais extrema, mais punitiva do que educativa, que se costuma fazer do art. 50 do Código de Ética Médica vigente: É vedado ao médico acobertar erro ou conduta antiética de médico não  favorece uma visão colaborativa do por a descoberto. Voga, pelo inverso, o introjetado que classifica uma cuidadosa observação direta como ato anti-ético. Postura que comprometeria a convivência profissional. Alô, Comissão de Bioética!

A literatura  nos informa sobre algumas razões do descompromisso individual com uma opinião ou com uma sugestão de um profissional da saúde para com outro ao testemunhar e supor a prática de má conduta, tanto em seus níveis mais leves quanto nos mais pesados:

a) uma postura de não querer se envolver, um pensamento de que não é consigo, que o tempo é curto para os próprios afazeres, que não é da responsabilidade;

b) o receio do estereótipo, de ficar marcado como um chato que tudo critica;

c) o incômodo de ver a crítica ser recebida como ato de humilhação;

d) a memória de críticas prévias onde ficaram evidentes oposições por:

  d1) falta de desprendimento de reconhecer os equívocos de atitude vocalizados;

  d2) reações determinadas por hierarquia com potencial de retaliação, incluindo sensação de redução do poder;

  d3) vergonha de o reconhecimento da má atitude parar em ouvidos indesejados, inclusive o desconforto com a possibilidade da classificação como erro e não como redirecionamento corretivo ;

  d4) incapacidade de se desculpar.

Por fim, não pode ser desconsiderado o entendimento de carência de competência para fundamentar a crítica, pois se não se treina…  Não é improvável que aqueles que se sentem à vontade para externar suas opiniões visando um bem maior, sejam os que clamam por Comissões de Bioética. Pelo empoderamento  de competências por reconhecimento institucional.

Nestas circunstâncias, empenhar-se por Alô, Comissão de Bioética! tem o potencial de chamar a atenção para o benefício de uma atmosfera de diálogo e de aceitação interpessoal a percepções de atitudes e a sugestões de comportamentos na beira do leito. Um desafio e tanto!

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