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37-A diretriz, a laranja e o suco

laranjeirasucolaranjaUma diretriz é comunicação da literatura com a beira do leito. Qualifica-se em duas partes: análise crítica do conhecimento acumulado e recomendações em classes e níveis.

As combinações de classes (dimensão do efeito)  e níveis (estimativa de precisão)  formam proporções distintas dos componentes do binômio risco-benefício.

Destacados dados e fatos decantados de publicações qualificadas  são adjetivados como evidências e   adverbializados.

O advérbio imprime uma circunstância de qualidade de mérito científico: uma melhor evidência  quanto à utilidade, eficácia e confiança. Subentende, pois, que há “evidências menores”.

Três destaques para reflexão:

1- A ordenação-varredura da literatura realizada pelos comitês de elaboração de diretrizes representaria instância superior a dos corpos editoriais das revistas. Estes avalizaram as publicações como cientificamente corretas, as subsequentemente bem ou  mal  ranqueadas como evidência pelos comitês de diretrizes.

2- Os membros dos comitês- tão sensatos quanto humanos- que tacitamente “pensam” pelo universo de especialistas “do planeta”, fortemente legitimados pela credibilidade das sociedades de origem, emitem decisões que não são necessariamente neutras, estão sujeitas a lobbies, podem resultar de votações com resultados apertados, devem ser adaptadas a circunstâncias clínicas e culturais locais e, além disso, decodificações de certas expressões de linguagem (devem, podem) podem ser complexas.

3- A disponibilidade de diretriz dispensaria o médico de se aprofundar por si só numa revisão crítica e exaustiva da literatura. O autodidata moderno corre o risco de ser um diretrizófilo.

Mas será que é o bastante? Parece ser controverso.

Se por um lado, quem não tem experiência no tema não deveria usar diretriz para tão somente “agora saber o que fazer”, por outro, aquele que tem experiência pode ter as suas verdades vivenciadas, estar apto à interpretação judiciosa da literatura e daí superpor ou não a sua à melhor evidência assim incluída na diretriz.

O cotidiano da beira do leito registra combinações variáveis de 5 E, ou seja a Evidência convive com Experiência,  Eficiência, Envolvimento e Ética.

A formação do ser médico no compasso do estado da arte pressupõe educação continuada da formatura à aposentadoria. Por outro lado, o processo de aprendizado desde a bancada até a beira do leito requer competências distribuídas: há quem gera os conhecimentos, há quem os difunde, há quem os armazena, há quem harmoniza o novo com o clássico, há quem aplica ao paciente, há quem faz a gestão, há quem fiscaliza pela sociedade.

A pluralidade de aptidões num indivíduo existe, é digna de elogios, mas não parece ser a regra.  É essencial assumirmos a função que podemos exercer com excelência, esta atrelada à honestidade (sempre absoluta) e à eficiência (vista de modo relativo a inúmeras circunstâncias).

O que ocorre é que o passar do tempo pós-residência médica é cruel, pois multi-influenciável. À medida que nos distanciamos da formatura, há uma humana tendência à exigüidade da disponibilidade de tempo para acompanhar o continuum do galope da ciência. Valorizam-se, então, as diretrizes, apreciamos a decisão pronta.

Exercer-se médico acolhe opções, por gosto, necessidade ou oportunidade. Tomar um suco de laranja também:

Opção 1- Vamos ao pomar, entramos no laranjal, verificamos as laranjas que estão consistentes e maduras, colhemos algumas, colocamos numa sacola, levamos pra casa,  cortamos cada uma ao meio com faca afiada, esprememos com uma técnica, coamos,  desprezamos o bagaço e  tomamos o suco num copo. Acadêmico básico!

Opção 2- Vamos ao supermercado, compramos as laranjas, levamos para casa, selecionamos as melhores, cortamos cada uma ao meio com faca afiada, esprememos com uma técnica, coamos,  desprezamos o bagaço e  tomamos o suco num copo. Acadêmico clínico!

Opção 3- Vamos ao supermercado, compramos concentrado de laranja, levamos para casa, descongelamos, acrescentamos água e tomamos o suco num copo. Razoavelmente tecnológico e prático!

Opção 4-  Vamos ao supermercado, compramos suco de laranja em caixinha e, em qualquer local, tomamos com canudinho, que aliás já vem junto. Tecnológico (oculta a ciência) e prático!

Opção 5-  Vamos à lanchonete da esquina, fazemos o pedido e, acomodados, tomamos o suco de laranja espremido na hora. Prático total!

Nas opções 1 e 2, conhecemos os procedimentos desde a laranjeira e desenvolvemos habilidades.  Nas opções 3, 4 e 5 podemos  tomar  suco de laranja sem nunca ter visto ou segurado uma laranja e há duvidas quanto ao valor nutritivo. “Terceirizamos” e ficamos dependentes e -sem controle direto- dos processos.

O farol ético da beira do leito é salvaguarda ao exercício profissional especialmente pelo que a cor laranja representa: a presença do amarelo e do vermelho!

 

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