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131-A obrigatoriedade do consentimento pelo paciente

Foi no Código Brasileiro de Deontologia Médica que vigorou de 1984 a 1988 que ficou explícito ser vedado ao médico no exercício de sua profissão efetuar, salvo diante de urgência ou emergência, qualquer ato médico sem o consentimento prévio do paciente ou de seu responsável (art. 24º).

A redação atual  encontra-se no art. 22 – É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Outrora denominado de responsável, agora de representante legal, esta pessoa  inclui-se efetivamente na relação médico-paciente quando este último perde a capacidade cognitiva. Para tal, ela deve ter recebido do próprio paciente o poder para tomar decisões em seu nome, havendo ciência desta substituição possível à Equipe de Saúde, por exemplo, no Termo de Responsabilidade assinado por ocasião de uma internação hospitalar.

Há quem prefira usar o termo representante indicado para melhor esclarecer que houve uma designação por desejo do paciente para a eventual situação de incapacidade mental, quando então representante legal fica restrito a quem fala em nome de menor de idade, tão-somente pelo aspecto etário legal.

Risco iminente de morte refere-se à situação clínica que caracteriza emergência de aplicação de cuidados visando à manutenção da vida, entendendo-se que há chance de reversibilidade e retorno a grau aceitável de qualidade de vida.

Consentimento é termo que deve ser diferenciado de permissão na prática da beira do leito. Permissão não subentende uma negativa e, em geral, corresponde a um ato de educação. Por exemplo, dá licença de abaixar o lençol para melhor examiná-lo. Já a figura do consentimento representa a necessidade de cada aplicação de método pelo médico ser precedida da real aprovação pelo paciente ou por quem o representa, após ponderar prós e contras.

Desta maneira, o consentimento – ou o dissentimento- tem sua autenticidade fundamentada no seguinte quarteto de premissas: livre, esclarecido, renovável e revogável. Acresceria uma quinta: documentado.

Livre significa que a resposta do paciente não pode ser influenciada por uma coerção, que pode – inclusive veladamente- valer-se do estado de vulnerabilidade do paciente pela circunstância clínica. Uma atitude de paternalismo absoluto do médico inibe a liberdade da expressão de desejo pelo paciente e, assim, é indesejável em situações onde há tempo para amadurecimento de uma tomada de decisão, sem prejuízo maior ao prognóstico.

A autonomia é a proposição conceitual mais apropriada, pois provê a  participação ativa do paciente pró ou anti-consentimento no processo de deliberação. O que ocorre é que, nem sempre, o paciente demonstra interesse em assumir um grau de responsabilidade na decisão e abdica do direito à autonomia, com verbalizações como: doutor, o senhor é quem sabe o que é melhor para mim, seguirei a sua recomendação. Esta adesão, embora quebre o carater de unilateralidade no processo de tomada de decisão, não pode ser considerada desconectada de um paternalismo.

Ressalte-se que o chamado paternalismo liberal ou  fraco é comportamento que concilia com adequação a intenção do médico de argumentar com fundamentação técnico-científica e de perseverar na busca pelo consentimento para aplicação do estado da arte com boa relação risco-benefício. Há um limite, além do qual seria uma coerção. Não haveria, assim, desrespeito à liberdade de opinião do paciente.

O esclarecimento é um passo adiante da informação, fica claro que não basta dar conhecimento ao paciente do que se passa e do que se faz preciso aplicar, é necessário que ele compreenda o inteiro teor das proposições, as justificativas, as probabilidades de sucesso, o potencial de adversidades e decorrências futuras.

Neste contexto, o diálogo sempre à disposição, com aplicação da competência narrativa, da comunicação não violenta, da verbalização accessível  e da atenção ao “hot-cold empathy gap” são úteis. A competência narrativa facilita construir uma história do paciente sob vários ângulos, os clínicos e os relacionados ao seu viver, que  acentua a visibilidade sobre dificuldades e contraposições; a comunicação não violenta permite o uso de palavras e de expressões que canalizam para a empatia; a verbalização accessível  ajusta o tecnicismo a uma linguagem mais acostumada pelo paciente. Já o “hot-cold empathy gap” alerta para o sentido da prudência, que poderia ficar prejucada em face da visão de momento  por parte do paciente. Uma situação “quente” ligada, por exemplo a um sofrimento de momento como dor, direciona para uma aceitação que visa ao alívio imediato, mas que pode carecer de maior ponderação sobre efeitos futuros. Por outro lado, uma situação “fria”, como a assintomática, tende a adiar o consentimento a uma recomendação que deveria ser imediatamente aplicada na óptica do médico, por exemplo, parar de fumar, iniciar um tratmento anti-hipertensivo,

Renovável quer dizer que o paciente deve ser esclarecido de cada acréscimo na condução do caso, que o consentimento tem um caráter de agregação de novos elementos e progressividade em face das circunstâncias evolutivas. Num ato operatório, por exemplo, o potencial de adversidade deve ser esclarecido ao paciente a fim de  subsidiar o consentimento- ou não. Caso, uma adversidade torne-se realidade, as opções de resolução da mesma devem ser motivo de novos esclarecimentos, em busca de renovada manifestação do paciente.

Revogável remete ao direito do paciente de mudar de opinião e cassar o consentimento dado. É situação delicada porque muitas vezes uma série de providências preliminares já está em curso e traz certa frustração à equipe de atendimento. Não obstante, ela não deve gerar uma atitude de negação futura do médico a novas oportunidades de reconsideração pelo paciente.

Aspecto polêmico é a conveniência de uma expressão por escrito do paciente, a elaboração de um termo de consentimento livre e esclarecido para a assistência aos moldes da pesquisa clínica. É essencial a preservação da fé pública do prontuário elaborado pelo médico para cada paciente. O documento à parte tenderia a tornar a anotação do prontuário uma simples menção que o paciente foi informado e esclarecido, após o que deu o consentimento à aplicação da recomendação.

Entendo que a manifestação veraz do médico em prontuário é suficiente como afirmação da conformidade com a realidade da comunicação interativa médico- paciente/representante. Não obstante, deve-se respeitar a ideia da importância – mais jurídica do que ética- de uma documentação específica para procedimentosassistenciais, sem dúvida mais um acréscimo de conteúdo do prontuário do paciente, onde o paciente após a leitura firmaria a compreensão por sua assinatura. Certamente, um reforço que o paciente teria sabido da possibilidade adversa, caso haja um futuro contencioso, mas que na prática, não garante que houve de fato o real esclarecimento numa leitura que, por exemplo, não tenha sido supervisionada.

Ou seja, parece ser mais eficiente a consciência do médico em ter a vontade de prestar os esclarecimentos e se dispor à execução quando convicto que recebeu a autorização por palavras a ele diretamente verbalizadas. É a confiança na boa fé do escrito no prontuário do paciente versus o potencial de má-fé por vir em alegação de desconhecimento, habitualmente, em circunstância de mau resultado.

É importante que o médico tenha a virtude de não dissimular nem para o paciente, nem para si próprio, mais do que a sinceridade para com o paciente, é moralmente necessário praticar a sinceridade para consigo próprio.

O pensamento que tem base no verídico deve comandar a obtenção- ou não- do consentimento na relação médico-paciente, a lealdade impõe verbalizar o que entende ser verdadeiro e assim fazer os esclarecimentos e se dispor a auxiliar o paciente à melhor compreensão do que para ele é rotina, mas para o paciente é uma novidade.

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