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349- Silêncio, hospital, não buzine

Sempre foi na Medicina, as gerações mais antigas educam as novas. Contudo, ultimamente, a juventude médica mostra-se mais habilidosa na comunicação profissional não presencial, domina uma intimidade com sequentes novidades eletrônicas  e, assim, influencia os colegas formados há mais tempo. É atualidade que geração a geração tende a uma certa equalização de domínio tecnológico pela aposentadoria dos não iniciados, o que significa que, em futuro próximo, todos os médicos deverão incluir crescentes utilidades de desenvolvidas proles de smartphone na sua rotina profissional.

Há 200 anos, os pacientes tomaram conhecimento do uso do estetoscópio e passaram a preferir se consultar com os médicos que chegavam de Paris trazendo o aparelhinho com o qual obtinham informações de dentro da pessoa. Exageros à parte, logo logo, os pacientes não dispensarão os médicos da multi comunicação por smartphone.

Na época do estetoscópio como novidade não há registros históricos sobre buchichos éticos, contudo, o smartphone está longe de ser o transmissor de dados sigiloso, um único emissor e um único receptor autorizado, que caracteriza o estetoscópio, pelo contrário, uma única emissão no smartphone pode gerar infinitas recepções devidas e indevidas. Em decorrência, colocou-se o sigilo profissional em efervescência, um efeito Sonrisal às avessas pois provoca dor de cabeça.

O que está se configurando -ou melhor, já está configurado- é uma mais adequada compensação da ausência do presencial pelo ganho de agilidade e de organização em relação ao clássico e limitado telefone fixo numa vantajosa conexão falada e escrita que admite um quantum satis de participantes. Familiares e amigos de pacientes em pós-operatório imediato mantém-se atualizados sobre a evolução, médicos ampliaram o termo grupo – Grupo da Válvula- para a atuação eletrônica e médico e paciente praticam a relação com mais imediatismo. Tudo isto armazenado na nuvem, uma abstração que provoca o temor de muitas chuvas e trovoadas éticas referidas ao sigilo profissional.

Creio que a nova e irreversível comunicação envolvendo pacientes e profissionais da saúde pode, até, livrar o sigilo profissional de certos penduricalhos, componentes agregados no decorrer do tempo, que extrapolam à concepção hipocrática, não cabem no rigor do segredo de confissão e da inviolabilidade da intimidade e da privacidade. Cada médico coleciona ao longo da carreira uma série de situações marginais que acaba interpretando como isentas de dano ao paciente na revelação de dados e de fatos.

O certo é que hoje em dia, pela maior difusão leiga da Medicina e pela maior facilidade de interação não presencial entre as pessoas, é pouco provável que  notícias sobre doença não sejam repassadas entre familiares, amigos, colegas, conhecidos, etc…, num sentimento que não haveria indiscrição nas revelações. Embora isento do sigilo profissional, provoca uma atmosfera perigosa para relaxamentos do rigor pelo médico, especialmente o não envolvido com o caso.

O próprios pacientes postam imagens e textos a respeito de suas enfermidades, uma exposição  que pode propiciar descuidos do médico em relação ao Art. 73 do Código de Ética Médica vigente: Permanece a proibição de revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão  mesmo que o fato seja de conhecimento público.

O essencial é que haja intransigência ética quanto à blindagem de informações sobre o paciente pelo médico a terceiros que não tragam reais benefícios para o paciente e que não estejam devidamente liberadas. Blindar inclui pensar com autocrítica severa quando está propenso a fazer uma comunicação por aplicativo em smartphones sobre dados e fatos de alguém que é ou foi um paciente, mesmo quando o médico está apenas cidadão. O que for postado terá sempre a possibilidade de ser visto com jaleco e carimbado com o número do CRM.

Assim, a prevenção  de interpretações de quebra não intencional de sigilo profissional não está exatamente no que (não) fazer, mas num multíplice pensar sobre o que está por fazer.

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