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343- Hipócrates não teve um WhatsApp

A notícia da tarde de 2 de fevereiro de 2017 interessa a todos aqueles que se obrigam a praticar a Ética Médica. http://oglobo.globo.com/brasil/apos-compartilhar-dados-sigilosos-de-marisa-medica-do-sirio-demitida-20864217.  Destaco alguns trechos da reportagem motivado pelo aspecto didático.

  1. Médica do Hospital Sírio-Libanês compartilhou o diagnóstico e a gravidade clínica da paciente MLLS num grupo de whatsapp de antigos colegas de faculdade, antes da emissão de um boletim médico institucional.
  2. Este comportamento causou a sua demissão.
  3. A idade de 31 anos destaca um noviciado profissional, um período que não deve ser superior a 2-3 anos desde o término de presumida Residência na especialidade.
  4. A nota do Hospital Sírio-Libanês enfatiza que tem uma política rígida relacionada à privacidade de pacientes, que repudia a quebra do sigilo de pacientes por profissionais de saúde e  que tomou medidas disciplinares cabíveis assim que teve conhecimento da troca de mensagens.
  5.  A menção  à  divulgação do Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo que o respeito à ética ante a saúde dos cidadãos sem distinções de qualquer natureza está sempre acima de interesses que não sejam fiéis à dignidade inviolável da pessoa doente junto aos seus entes queridos.
  6. A exposição de nomes de médicos que teriam participado ativamente no compartilhamento das informações à distância e que, inclusive, teriam emitido certas opiniões sobre a pessoa da paciente.

Vivemos uma época de comunicação instantânea com enorme comichão nos dedos para postar e, assim, manter-nos conectados com outros por meio de textos e de imagens, como se estivéssemos conversando com eles ao nosso lado. Lembro-me que há poucas décadas havia o destaque do esteriótipo documentador na figura de um turista japonês que tudo, até coisas aparentemente irrelevantes, registrava em sua câmera fotográfica. Pois é, ela universalizou-se com o aparelho celular que é um telefone tanto mais útil quanto mais aplicativos dispuser, especialmente os de mensagens.

As redes sociais não podem posicionar a conexão entre um grupo e o compartilhamento de informações acima da preservação do sigilo profissional pelo médico, como se fossem um mundo à parte e blindado. Um eventual forte desejo de dar uma notícia em primeira mão sobre tema médico a colegas não é um direito de quem está trabalhando no hospital onde ocorre o atendimento, não é uma prestação de serviço de utilidade pública, não é uma banalidade quando envolve a identificação de paciente, seja ele ou não uma pessoa que todos conhecem e assim desperta curiosidade – mórbida, inclusive.

Evidentemente, no cafezinho do hospital podem acontecer quebras de sigilo do tipo “… Vocês viram quem  está no Pronto Socorro… Suspeita de…“, que não são percebidas como anti-éticas e, importante no contexto, restringem-se a uma comunicação via oral pouco provável de constituir prova para alguma iniciativa de denúncia  de transgressão ética. São aquelas frestas de condescendências, aquelas dificuldades da condição humana para endossar limites extremos que derrubam juízos de tudo a ferro e a fogo.

As palavras emitidas em redes sociais são auto-grampos com enorme chance de resgate e apreciação crítica sobre a ausência de autorização conforme as normas, portanto, uma forma de vulnerabilidade que cresce de relevância para o médico pela possibilidade de resvalar no desvirtuamento profissional.

Vemos na reportagem que não houve preocupação com o sigilo dos nomes de médicos supostamente interlocutores da quebra do sigilo, talvez por um entendimento jornalístico de interesse público. Eu lamento, particularmente, mas não deixa de ser um alerta: manifestações de alguma graça com a situação de pacientes podem se transformar em desgraça do médico. Por mais que haja a alegação que não estariam no exercício profissional, médicos são citados e instados a se explicarem com uma conotação de cúmplices e de destituídos do profundo respeito pelo ser humano que é um Princípio fundamental da Ética dos médicos.

Em suma, assim como um juiz só deve se manifestar nos autos, o médico só deve documentar sobre um  paciente no prontuário do mesmo. Não obstante, as redes sociais estão aí cada vez mais robustas, atraentes e provocantes. É de se conjecturar que novos ingressantes em Faculdades de Medicina trarão consigo hábitos de comunicação tão enraizados quanto perigosos para o que se entende hoje como vedado ao médico no capítulo IX – Sigilo Profissional- do Código de Ética Médica vigente. Razão bastante para que aqueles que têm responsabilidade com a formação do médico enfatizem aos píncaros que sigilo profissional é patrimônio inalienável da sociedade, herdado geração a geração de médicos desde Hipócrates (460ac-370ac) e que precisa estar imune a qualquer canto de sereia da modernidade de comunicação inter-pessoal e inter-grupos.

Simples assim, complexo enfim! Hipócrates não teve um WhatsApp…

 

 

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