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336- Bioética e dose de comunicação de bula na beira do leito

Um dos aspectos mais envolventes da beira do leito que merece a atenção da Bioética da Beira do leito é a sua vida própria articulada com as peculiaridades do caso. É motivo de alerta para a impropriedade de certas idealizações de zelo e de submissões cegas a preceitos. Grande parte da vida própria da beira do leito  nutre-se de alguma dificuldade no encaixe em fisiopatologias bem conhecidas ou de algum inusitado da condição humana. O médico precisa reconhecer e fazer parte desta vida própria da beira do leito caso a caso e, por isso, necessita se constituir a si mesmo como um sujeito moral atento a flexibilidades na aplicação de regras e de valores, trazendo Michel Foucault  (1926-1984) para a beira do leito.

A História da Medicina registra bem esta questão, inclusive pelo famoso ditado reducionista existem doentes e não doenças. Por isso, cada caso por mais de livro que possa ser precisa de frequentes retoques de condução, o que nos remete à figura do médico como um retratista empunhando lápis e borracha, já referido em outro artigo https://bioamigo.com.br/771/. 

A Bioética da Beira do leito acolhe a visão que cada momento desta vida própria da beira do leito é pertencimento de um vulnerável exigente do que há de melhor para atender às necessidades de saúde, expectativa que é também vulnerável pelas tantas dúvidas da ciência, do médico e do paciente e pelas realidades distintas de resultados.

Neste jogo de vulnerabilidades intrínsecas e circunstanciais, um ato médico ético – pleonasmo-  tem como sentido a busca pelo maior benefício com menor malefício num amplo sentido técnico-científico e humano. Por isso, os esforços para a obtenção de harmonia entre recursos da Medicina, saber e habilidade do médico e desejos, preferências, valores e objetivos do paciente para que os resultados expressem foi bom para o paciente.

Não há dúvida que os esforços  sao majoritariamente exitosos. O bem da Medicina supera em muito o mal inevitável da Medicina, há mais controles do que descontroles ambulatoriais e há mais altas do que óbitos hospitalares. Tal ocorrência é razão bastante  para mais otimismo e menos pessimismo dentro do realismo da Medicina como a ciência da incerteza e a arte da probabilidade que o notável progresso técnico-científico verificado depois que William Bart Osler (1849-1919) cunhou a frase ainda não mandou para o museu, até porque cada inovação nasce xifópaga dos dois atributos.

O médico é um otimista em geral que consegue cada vez mais resolutividade por uma singular fluidez (clínica) com raízes (científicas). A vivência profissional do bom prognóstico retroalimenta o otimismo, mas a vida própria da beira do leito tem provocado ultimamente a explosão de uma comunicação de bula, um verdadeiro estouro de manada de apontamentos de adversidades, que deixa atrás de si uma desmoderada  imagem de dano que encobre a satisfação pela existência da solução.

Pela desfoque o atual ritual do consentimento está se tornando mais uma anuência ao que pode dar errado – profusão de itens nos termos por escrito- do que à resolução- emblemático na transfusão de sangue em paciente Testemunha de Jeová. Se o respeito pelo consensual nasceu como barreira ao abuso de um ser humano por outro em pesquisa e migrou para a assistência para evitar uma visão inconsequente da Medicina pelo paciente, agora é preciso atentar para que ele não se torne um desvio do uso humano pela aterrorização.

Evidentemente, a Medicina defensiva que está por trás dos excessos ditados pelo potencial de insucesso – intercorrência, evolução natural, ineficácia na aplicação do eficiente- é uma reação aos fatos e estes não podem ser ignorados, o mesmo coração muito bem cuidado pelo médico na beira do leito é o mesmo que dá ritmo a insatisfações na beira de tribunais. Mas o desequilíbrio na composição da comunicação como já se desculpando por eventuais insucessos,  mentalizada como forma de proteção a pensamentos sobre erro profissional, montagem de barreira a um futuro se eu soubesse, constrange a liberdade- com o seu alter ego responsabilidade- da naturalidade no uso da Medicina, inclusive da criatividade efetora de adaptações nos limites que a experiência profissional vai delineando, pelo médico que até provas em contrário – elas restringem-se a reduzido percentual, exceções que confirmam a regra- é ético, tem um número de CRM imaculado, vale dizer é  digno de confiança – o valor mais valioso (redundância consciente) da conexão médico-paciente. Em consequência da falta do meio-termo que é mais justo para evitar um consentimento – ou não- do paciente nem inconsequente nem terrificado, sucede-se a rodo uma dispneia profissional porque se respira na beira do leito uma atmosfera rarefeita do oxigênio da expectativa do sucesso e com acentuado percentual de gás carbônico da combustão dos pensamentos de insucesso. Uma  verdadeira poluição da vida própria do ecossistema da beira do leito.

Admito que estas reflexões estão influenciadas por uma overdose de atuação pela Bioética em crises da beira do leito, mas é preocupante observar que a Medicina defensiva tem como um de seus efeitos uma prática retranqueira, emprestando um termo do futebol, onde um 0 x 0 mal atuado, relando à indiferença não comprometedora em vários aspectos do atendimento,  parece soar melhor do que sofrer um gol atuando bem, com prudência e com zelo, mesmo que ao final saia-se vitorioso. O gol soa então literalmente do adversário… em algum tipo de tribunal.

Em outras palavras, o direito à autonomia pelo paciente é salvaguarda a qualquer encoberta de realidade de pensamento na conexão Medicina-médico-paciente, todavia, cada médico precisa lapidar um modelo de comunicação que sensível a pessimismos pelo caso, a iatrogenias inevitáveis e a injustiças pelo paciente, não coloque em segundo plano o benefício razão do atendimento.  Aliás do modo como me ensinaram na década de 60 do século passado, quando o tamanho da Medicina cabia na graduação e quando o Código de Ética Médica então vigente dispunha que É dever fundamental do médico jamais usar seus conhecimentos técnicos ou científicos para o sofrimento ou extermínio do homem, não podendo o médico, seja qual for a circunstancia, praticar atos que afetam a saúde ou a resistência física ou mental do ser humano, salvo quando se trate de indicações estritamente terapêuticas ou profiláticas em beneficio do próprio paciente.

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