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246- Especialistas não são robôs

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Crédito: http://blogs.bmj.com/bmj-journals-development-blog/

Cenário comum na beira do leito é a divergência entre dois especialistas sobre mesmo caso. Em termos práticos, o que parece adequado para um especialista pode ser admitido como inadequado pelo outro. Pode soar estranho, considerando que especialista é aquele que sabe bem o que fazer em sua área de atuação.

Diferenças de recomendação ocorrem em relação ao tipo de benefício da Medicina, à avaliação da segurança do paciente, ao timing da atuação médica, etc… Isto significa que mesmo especialistas experientes não necessariamente lidam com certezas. De fato, especialistas profundos em conhecimento e em habilidade trabalham com probabilidades sustentadas por verdades  e por justificativas.

Pode-se simplificar dizendo que verdades são da Medicina e que justificativas são do médico.

Não faltam verdades opostas por evidências qualificadas e o que pode ser válido para uma maioria de pacientes pode não ser para os demais com mesmo diagnóstico principal e algumas distinções secundárias. Justificativas, por sua vez, admitem focos e formatos e não dispensam peculiaridades de quem faz o juízo.

Verdades no campo das ciências da saúde são instáveis. Há as que permanecem como conceito, é fato, enquanto variam na estruturação de critérios e há as que resultam desmentidas, substituídas por algo também sujeito a tempo de validade, ou seja, a fila do progresso técnico-científico está sempre andando.

Reduzir riscos cardiovasculares pela baixa da hipercolesterolemia é verdade que persiste pretendendo status de certeza. Mas, as estratégias redutoras têm sido organizadas com várias oscilações sob peculiaridades de evidências sobre níveis plasmáticos ideais, ao longo do tempo. A até recente verdade da impossibilidade de corrigir a estenose aórtica grave num idoso com risco cirúrgico proibitivo foi modificada por uma inovação tecnológica, refez-se muito rápido a verdade, numa dimensão oposta.

Inexistências tornarem-se existências em Medicina parece uma obviedade, a história é rica de exemplos sob o ângulo qualitativo, todavia, a expansão do aspecto quantitativo acumula opções de aplicação tão superponíveis quanto distinguíveis pelas circunstâncias clínicas.

Justificativas do médico carregam muito da sua vivência, do seu olhar clínico, da sua empatia com o paciente. Elas dão um certo toque de subjetividade à necessária objetividade ética.  Elas animam ajustes sobre o que a Medicina tem de melhor para ser feito, ou seja, sobre as verdades validadas que não são, entretanto, certezas. As argumentações -primeira opinião, segunda opinião- requerem uma base moral -probabilidades de bom e de mau posicionamento para a circunstância – e uma base ética- probabilidades de correto ou de incorreto rumo para o caso.

Recomendações de diretrizes clínicas do tipo I -úteis e eficazes- podem ser endossadas como corretas pelo médico, todavia, sempre guardam o potencial de não serem boas opções momentâneas. Já recomendações IIb- tendentes a inúteis, ineficazes e até prejudiciais- podem, em certas ocasiões serem admitidas como corretas em face dos acontecimentos.

Uma causa forte de distinção de justificativas entre especialistas experientes é a visão de prudência. Uns focam o prognóstico com predomínio do olhar do benefício, outros com hierarquização da segurança. Algo em que numa sessão de Congresso Médico, um colega na platéia  comparou a um técnico de futebol: “… há os que gostam de estar sempre no ataque e há os retranqueiros…“.

Uma intervenção num paciente assintomático ilustra a questão em certas especialidades, uns mostram-se favoráveis a privilegiar a intervenção invasiva “preventiva”, outros a prover resolução apenas quando houver manifestação clínica, aqueles entendendo que risco baixo justifica embasar correções que evitem sintomas futuros, estes discordando, por enxergarem injustificado na circunstância em função de qualquer morbimortalidade, mesmo mínima, da intervenção invasiva.

O especialista numa doença fica mais especialista num portador da doença à medida que acumula percepções que saber bem orientar um caso não significa saber bem orientar mais um. Aprender a lidar não automaticamente com cada mais um é tarefa inesgotável e repleta de subjetividades. Estas mesclam-se às objetividades das verdades da Medicina do momento e a resultante é: por mais que se deseje uniformizar o atendimento à saúde individual, a diversidade da condição humana prevalecerá num determinado momento, quer no processo de tomada de decisão, quer na evolução do decidido.

A Bioética da Beira do leito, ao mesmo tempo que reconhece o valor da participação de certos ultra-especialistas em circunscritas habilidades médicas, num contexto de busca da excelência, rejeita enaltecimentos a respeito de argumentação, aculturação e normatização de uma expressão robotizada mais abrangente do médico especialista.

 

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