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197- Medicina hum!ana

Eu li com atenção a entrevista do preclaro Dr. Wiliam Saad Hosne, Professor  Emérito da Faculdade de Medicina de Botucatu, no caderno Aliás do Estadão de 20 de dezembro de 2015

http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,contornos-de-uma-angustia,10000005315.

Muito aprendizado concentrado. Uma exposição experiente. Uma valorização do vigor da história e da força de cada elo de processos construtivos até mesmo dos mais vulneráveis. Uma exaltação à  imperiosa interdependência entre Medicina e ser humano.

Desejo destacar o trecho “… Mas não aceito a ideia de humanizar a medicina porque para mim ou ela é humanizada ou não é medicina. Não posso reconhecer que exista uma medicina não humanizada e outra humanizada…”. De fato, é sabido que uma das missões cumpridas pelo Professor Saad foi moldar médicos no cuidado respeitoso com o paciente atento à empatia e a comunicação solidária, assim contribuindo para uma beira do leito com alma. Aquela em que o médico investe-se como legítimo procurador dos interesses do paciente perante a Medicina.

Pego o gancho e penso no mundo ideal. É essencial que o médico não perca o foco no sofrimento- que aprende na beira do leito-, ademais daquele na patologia- que aprende nos bancos acadêmicos. Sensível à identidade, o médico deve ir além da visão biomédica, impõe-lhe a compreensão sociocultural do caso clínico. Ele tem que escutar e dialogar  numa verdadeira conferência com o paciente e com a Medicina, esforçando-se para que a multiplicidade das expressões de doença possa ser composta na representação mais de um mosaico do que de uma colcha de retalho. Assim, favorece-se o acolhimento às vulnerabilidades do ser humano agravadas pela enfermidade, ao mesmo tempo em que se cuida para o desempenho na fronteira dos conhecimentos da Medicina.

A “consequência humana” é  a oportunidade de o paciente usufruir do poder da tecnociência aplicada com prudência e com zelo, sentindo-a em conjunção harmônica com seus objetivos, preferências e valores.  A perícia técnica em prol do bem, nunca para o mal.

Mas vivemos no mundo real. Heterogêneo em relação  à humanização da Medicina. Um diploma, um registro, uma mente deturpada comandando conhecimentos e atitudes, a desumanização poderá estar a caminho. A beira do leito de há algum tempo clama por mais humanização. Um sinal  que que ela está insuficiente para participar da devida ordenação do raciocínio clínico. Por isso, muitos abnegados debruçam-se sobre um enredo transformador do estilo de aplicar Medicina, recebem a denominação de humanizadores e devem ser apoiados, seguidos e elogiados. Uma Comissão de Humanização, por exemplo, faz-se representar em Comissão de Bioética.

A ciência médica aplicada de forma não humanizada, onde o médico não atua pelos interesses do paciente,  que não é então medicina,como exposto pelo Prof. Saad, como deveria ser, então, chamada? Olhando a história do século XX, uma denominação cabível é crime. Tuskegee, atrocidades da Segunda Guerra Mundial e Willowbrook State School https://bioamigo.com.br/ma-etica-ma-ciencia/  são exemplos de violação aos direitos humanos travestida de ciência. Mas o crime não foi da medicina, foi de certos médicos desprezíveis.

Poderíamos dizer, também, que a ausência da humanização poderia ser vista como uma ciência médica não empática, quando carente de sensibilidade e de afetividade em meio à intenção de fazer o bem.  Mas será difícil eliminar que é Medicina. Má Medicina, melhor mau atendimento em Medicina. Melhor ainda, relação médico-paciente insensível, destituída de afeto. Medicina associada a um comportamento vinculado à  cultura, à religião, à comunicação em desarmonia com o Código de Ética Médica vigente.

Está certo o Professor Saad, Medicina e Humanismo são indissociáveis,  porém temos que admitir que caminharem juntos de braços dados é figura aceitável. Por isso, a necessidade de resgate constante da humanização, pois ela se solta e deixa a fria ciência médica desacompanhada do calor humano.

Ademais, não se pode esquecer que a avaliação sobre a humanização é refém da época. Autoritarismo do médico, má comunicação médico-paciente e interpretações injustificadas de quebra do sigilo médico para os dias de hoje já foram éticos entre nós, basta fazer uma análise histórica dos Códigos de Ética Médica https://bioamigo.com.br/hm-21-curiosidades-sobre-o-primeiro-codigo-de-etica-medica-aplicado-no-brasil-1929/ Em outras palavras, a verdade de uma Medicina humanizada é uma interpretação. Uma longa carreira médica vivencia mais de uma metamorfose de juízo sobre qualidade da humanização.

Neste ajuste de pensamentos e de exigências sobre direitos humanos à época, vale recordar que a lei estadual 10241 – chamada de lei Covas- que reza que o paciente tem direito de recusar procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados- significa uma autonomia adolescente com cerca de 15 anos da promulgação. E que a  ortotanásia tornou-se ética há cerca de 5 anos.

Faz sentido, pois, aliar humanização na Medicina e modificações na moral de uma sociedade. É um processo de ajustes com coordenação de passos complexa, o que de certa forma explica porque há mais insatisfação de paciente/familiar com a (não)humanização que sente desde o médico do que com a técnica científica aplicada.

O Código de Ética Médica prevê a possibilidade de não aplicação da Medicina caso o paciente prejudique a condição de humanizada: Art. 36 § 1° – Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento. Um outro lado da moeda.

Creio que o âmago da questão é a profundidade da humanização no exercício da Medicina. Há um quantum satis, uma linha de corte mínima em permanente movimento na direção das ebulições da sociedade. Mas sempre exigente da ciência,  do saber atualizado, validado e à disposição. Pois se não deve existir Medicina sem humanização, não deve haver humanização sem um mínimo de Medicina no cenário da beira do leito.

O médico faz um juramento de humanização, é verdade. Jura por deuses que desconhece um compromisso consigo. Sustentá-lo exige disposição ininterrupta. Nem sempre ele é capaz de evitar a insensibilidade que nem percebe. Não que o médico deseja ser insensível, mas assim se comporta por uma série de razões. Inclusive, pela autêntica ânsia de fazer o que a ciência viabiliza como benefício. Ademais, é sabido o quanto complexidades interpessoais trazem um potencial de má-interpretação do que é desejado pelo outro.

Distinguir é atributo da humanização. Fazer adaptações, igualmente. O médico que efetivamente habita a história do paciente, capta o seu texto e articula-se ao contexto é capital humano da Medicina humanizada. Assim procedendo, ele se faz bom representante do paciente nos domínios da Medicina combinando saber e ser humano.

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