PUBLICAÇÕES DESDE 2014

193- Burnout entre médicos. Uma doença relacionada ao trabalho.

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Crédito: http://www.sco.co.at/dienstleistungen/burnout-bearbeitung/

Profissionalmente, o médico não costuma estar só. Pessoalmente, ele pode assim se sentir. Em muito, é justamente o estresse profissional que faz médicos exilados de si próprio, ameaçados de banimento pela vida que criaram para si, agora redimensionada em fator de degradação. E quando isto acontece, o profissionalismo desequilibra-se, a ética murcha, a sociedade padece.

A embriaguez de idealismo do estudante de Medicina transforma-se na ressaca de um médico atuante. A construtividade do ato médico arrisca-se à destrutividade. A beira do leito torna-se vulnerável a afetos nada presentes nas entrelinhas das Diretrizes clínicas. As consequências são dolorosas.

As indagações sobre como o médico deve se comportar para se preservar saudável são antigas. Houve sempre formas de violência geradoras de desmoronamentos no ser médico. Violência reativa, violência por frustração, violência compensatória são fontes de sensações que ficam ocultas dentro do avental branco.

As novas gerações de médicos estão instadas ao resgate do humanismo. Vale dizer, afastamento da frieza do médico antepassado. A empatia é prioridade inquestionável da beira do leito. Mas não se pode esquecer que a “presença distante” do médico em relação ao paciente figurou em grande parte como mecanismo de defesa da própria saúde física e mental. Se de fato um “jaleco armadura medieval” foi preventivo quando havia uma potência profissional relativamente restrita, o que deveria ser pensado sobre salvaguardas à própria saúde do médico? Especialmente, em função da pluripotência atual do tão maravilhoso quanto alucinante progresso dos cuidados com as necessidades da saúde associada a profundas modificações da gestão em Medicina?

Agora há mais saídas para os labirintos clínicos, é verdade, mas os acréscimos multiplicaram seleções de decisão, realidades de resultado e avaliações de satisfação. Em decorrência, cresceram as oportunidades para que o médico receba golpes de estresse. Ipso facto, a indispensabilidade do apuro da adequada posição na extensa gama entre abrir e fechar a guarda pessoal. Na atual sociedade hipercomunicativa, intensa e acelerada, o que não falta são consequências estressoras tanto da palavra dita, quanto da palavra não dita, no âmbito do Pentágono da Beira do leito.

Pentágono

A relação médico estressado por cuidar de doenças-paciente estressado porque tem a doença- sistema estressado por infinitas razões da doença é comburente para uma hipertermia ética na beira do leito. Incandescência que, paradoxalmente, pode ocasionar um apagão na chama profissional do médico.

Prejuízos sobre a qualidade e a intensidade da chama profissional provocam deslizamentos para cenários longe de serem hipocráticos e palcos para conflitos. Destes, manchetes surgem. A imagem de vilão contamina a classe médica em geral.

Mas… O médico exposto como qualquer ser humano a infinitas circunstâncias da vida pode estar se comportando como paciente de uma doença relacionada ao trabalho, prevista no Código Internacional das Doenças e pela legislação previdenciária brasileira.  E doença não é vilanagem.

Dezembro de 2015. No Brasil, as manchetes Polícia apura agressão entre médico e paciente dentro de hospital e “Playboy” agride médico idoso com socos somam-se a várias outras recentes sobre atitudes não esperadas de um perfil idealizado de médico e comportamento na área da saúde. Na literatura médica, a publicação  pela Mayo Clinic que a ocorrência de esgotamento profissional e a satisfação entre médicos americanos pioraram de 2011 a 2014, estimando-se que metade dos profissionais convivem com um sintoma de esgotamento profissional (burnout- a chama apaga-se). O que significaria dizer que eu ou o leitor médico, um dos dois, estaria com algum dos critérios para burnout! http://www.mayoclinicproceedings.org/article/S0025-6196(15)00716-8/pdf (Quadro).

Médicos certamente já testemunharam colegas intensamente imbuídos por um ideal, trabalhando duro, cada vez mais, desconsiderando fortemente necessidades pessoais, sentindo-se desafortunados, isolados e indiferentes ao que acontece ao redor, caindo no cinismo, na frustração e no descompromisso, com sentimentos de vazio interior e que finalmente entram em colapso físico e mental, conforme descrição do burnout por Andrew Procter e Elizabeth Procter  no livro The Essential Guide to Burnout- Overcoming excess of stress. Interpretações superficiais das ocorrências são comuns e podem encobrir uma real psicopatologia.

 

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http://www.mayoclinicproceedings.org/article/S0025-6196(15)00716-8/pdf

 

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Herbert J Freudenberger

A descrição da síndrome do burnout por Herbert J. Freudenberger (1926–1999) em 1974 é contemporânea ao lançamento da certidão de nascimento da Bioética por Van Rensselaer Potter (1911-2001), no livro Uma Ponte para o Futuro, em 1971.

A Bioética da Beira do leito admite o estado de exaustão mental e física  causado pela vida profissional – a definição original do autorcomo variável de influência em conflitos da beira do leito. Nem sempre os sinais são perceptíveis antes de atingir o nível da plena manifestação.  Fica assim prejudicada uma salvaguarda ética conforme o enunciado em Disposições Gerais do Código de Ética Médica vigente: I – O médico portador de doença incapacitante para o exercício profissional, apurada pelo Conselho Regional de Medicina em procedimento administrativo com perícia médica, terá seu registro suspenso enquanto perdurar sua incapacidade.

Os sentimentos que nutrem o burnout são origem para danos na ampla integração do benefício, segurança, autonomia, prudência e zelo em tomadas de decisão na beira do leito. Exteriorizações de irritação, descontrole, mau humor por parte do médico podem ser reações pontuais a circunstâncias de momento, são comumente atribuídas ao temperamento do médico, mas admitem sempre o diagnóstico diferencial com um burnout em curso. O atendimento a crises da beira do leito pela Bioética necessita levar em consideração este fator “etiopatogênico”.

Relaciono abaixo 10 informações importantes para o cotidiano da beira do leito extraídas do artigo da Mayo Proceedings:

  1. Cerca de 50% dos médicos revelaram ter tido pelo menos um sintoma de burnout;
  2. Houve um aumento de 10% no reconhecimento do burnout entre médicos nos últimos 3 anos;
  3. Houve queda na satisfação profissional do médico nos últimos 3 anos;
  4. São tendências contrárias às da população em geral;
  5. Em relação à sociedade, médicos exibiram maior taxa de exaustão emocional (43.2% vs 24.8%; P<.001) e de despersonalização (23.0% vs 14.0%; P<.001);
  6. A elevação do grau de estresse profissional do médico não parece corresponder a um aumento da carga horária de trabalho;
  7. Escores para depressão (cerca de 40%) e para ideação suicida nos últimos 12 meses (cerca de 6%) permaneceram estáveis no período avaliado de 3 anos;
  8. Idade >65 anos vs <35 anos, médica vs médico e Medicina de Emergência vs Medicina Geral mostraram-se fatores associados significativos;
  9. A taxa de burnout  elevou-se em todas as especialidades;
  10. A taxa de satisfação manteve-se estável entre ginecologistas/obstetras e  cirurgiões gerais.

O Quadro abaixo ilustra as 12 fases do modelo da síndrome do burnout  conforme Freudenberger, que não necessariamente ocorrem numa determinada ordem cronológica.burn

Em termos de burnout do médico, o hospital não parece ser o melhor local para tratar cada paciente que sofre desta doença, mas é onde ações preventivas devem ser cogitadas e praticadas.   A Bioética da Beira do leito tem condições de contribuir.

 

 

 

 

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