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160- A arte da guerra para o médico estar em paz consigo

frases_arte_da_guerraO general Sun Tzu, do rei de Wu, escreveu o livro A ARTE DA GUERRA  há cerca de 2500 anos. Ele viveu na mesma época em que Hipócrates travou  a sua batalha em prol da Medicina e a tornou livre dos deuses.

Desde então, médicos são habituais ativistas da liberdade e da paz. É estimulante analisar certas correlações entre guerra tradicional e outra forma de batalha do dia-a-dia, a do médico, onde são essenciais aspectos táticos e humanos.

Personagem referência é Thomas Sydenham (1624-1689) que foi  soldado no exército inglês de Oliver Cromwell (1599-1658) e, após tornar-se médico, inspirou-se nos campos de batalha para entender a beira do leito e consagrou-se como Hipócrates inglês, Pai da medicina inglesa e fundador da epidemiologia.

Guerras foram sempre estímulos para o progresso da Medicina. Cirurgia cardíaca, transfusão de sangue, critérios diagnósticos para a Febre Reumática têm fortes ligações inovadoras com as mesmas.  Como o poeta grego Simonides (556 ac-468 ac) nos legou, nem mesmo os deuses lutam contra a necessidade. 

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QUADRO 1

Não faltam metáforas bélicas no jargão da Medicina (Quadro 1). No sentido oposto, estrategistas militares têm falado ultimamente em bombardeio com precisão cirúrgica.

Sabe-se que a organização da sociedade em Forças Armadas e em Sistema de Saúde não dá garantia de paz ou de saúde. Mas são imprescindíveis para o direcionamento aos mesmos.

Não há dúvida que atitudes de pacifismo não constituem resistência forte suficiente contra o potencial de violência, assim como vida saudável não garante resistência contra etiopatogenias. Mas sem elas o bem-estar ficaria à deriva.

Um ensinamento de Sun Tzu é proverbial: na paz, prepare-se para a guerra; na guerra, prepare-se para a paz.

A Bioética da Beira do leito entende que cabe a seguinte “tradução” para a área da Saúde: saudável, prepare-se para a doença; doente, prepare-se para quando voltar a ser saudável. Realismo e otimismo.

Observação interessante de  Sun Tzu é que não se estar em guerra não significa exatamente viver em paz. Em analogia, não estar doente, não significa ter órgãos exatamente normais.

Quanto à prevenção, contra a guerra ou contra a doença, a primária é aquela que enfraquece os ataques e a secundária é a que fortalece as defesas.

Há anos, a Bioética da Beira do leito recomenda uma analogia a respeito de uma sábia ponderação de Sun Tzu (Quadro 2).

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Quadro 2

Além disto, a Bioética da Beira do leito admite 5 relações de semelhança entre arte da guerra segundo Sun Tzu e arte da aplicação ética da técnico-ciência na beira do leito.

I-  O médico deve mentalizar-se como eternos R1, R2, R3, assim como  o general em relação  a suas patentes anteriores.

Facilita atuar em acordo com Aristóteles (384 ac-322 ac): “… As coisas que é preciso ter aprendido para fazê-las, é fazendo que aprendemos…”.

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Quadro 3

De fato, o médico conhece bem a tendência a desaprender quando deixa de fazer. O que ele sabe fazer  num determinado momento é o que ele não esqueceu pelo reforço da prática. (Quadro 3).

 

II- O médico deve focar prioridades de acordo com a captação de informações (Raciocínio clínico).

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Quadro 4

Ao mesmo tempo deve estar preparado para  lidar com o inimigo imaginário do hipocondríaco e com o inimigo oculto do negador contumaz que se resguarda da delação e, inclusive, assenta minas em meio a pistas falsas. (Quadro 4).

III- O médico deve aplicar método e disciplina no planejamento e ser perspicaz com a oportunidade para a execução (Tirocínio clínico).
Adiamentos indevidos de tomadas de decisão fazem com que as armas pareçam mais pesadas, arrefecem o entusiasmo e afloram um sentimento de angústia; os recursos vão ficando cada vez mais desproporcionais às forças. Quem conhece os efeitos desastrosos da indecisão compreende a suprema importância da prontidão com que a ordem de comando deve soar quando o combate é imperioso.

O filtro do custo-risco-benefício recomenda que após mirar no alvo certo não se atira só porque se possui uma arma. Um método diagnóstico pode ser um torpedo  para atingir um diagnóstico de infecção, por exemplo, mas um desperdício de munição na rotina de acompanhamento da função do órgão ora infectado.

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Quadro 5

O médico viabiliza a boa decisão quando seleciona as beneficências no arsenal da Medicina e promove os ajustes de não-maleficência. Quando ele se decide por uma recomendação de diretriz, que já depurou inutilidades, o máximo proveito dos juízos vem da experiência pessoal e do feed-back com as peculiaridades daquele paciente.

A moderação do gourmet, que falta ao glutão, dá a qualidade da nutrição do vínculo com o paciente.
Quando se persegue a decisão correta, o temor do descrédito não deve impedir retroceder, por exemplo, como médico da primeira opinião ao receber uma segunda opinião mais qualificada e até oposta à inicial.
Na terapêutica, preferências representam a távola redonda, a hierarquia deve existir sem posições extremadas. Vir na frente é questão de ponto de referência como uma roda gigante, pular de um medicamento para outro é como carrossel, o destino é o mesmo.
Evitar atirar para todos os lados foi bem descrito por Miguel de Oliveira Couto (1864-1934): “… Nesta receita, entrou toda a botica, só faltando o boticário… como ficou tonta a natureza para atender a tantas ordens ao mesmo tempo…” (Quadro 5).

IV- O médico deve promover coalisão (Autonomia). Salvo em iminente perigo à vida, o livre arbítrio promove compartilhamento e responsabilidade do paciente nas decisões. A superposição de objetivos é fator de humanização na relação médico-paciente. A tolerância é sempre bem-vinda porque coloca verdades da circunstância acima de “certezas” conceituais.

O teste do comprometimento do paciente dá-se comumente quando ocorrem oscilações das vantagens. Por mais que a equipe multiprofissional faça a sua parte, muitos insucessos são decorrentes da falta de iniciativa do paciente em procurar cuidados quando a situação clínica permitiria melhor prognóstico; atrasos significam edema agudo de pulmão não atendido quando ainda era uma dispneia aos esforços. (Quadro 6).ST66

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Quadro 7

V-  O médico deve estar bem integrado ao “estado-maior” competente.

Aliados produzem a energia em espiral de um tronco que rola morro abaixo.

No vínculo equipe-paciente-instituição, a complementaridade permite que cada um faça exatamente o que está preparado para cumprir, e assim, faz boa equipe quem seleciona os que dão conta de cada recado.
Há o médico que tem a missão de enxergar onde está a vantagem  e há o que se dispõe a aplicá-la.

É como um quebra-cabeças, onde o mérito do sucesso da montagem está nos recortes diferentes de cada peça. (Quadro 7).

 

 

 

 

 

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