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142- O Sim transgressor à Ética

Sim-ou-naoSim-ou-naoAo final de uma Mesa Redonda, o coordenador deu 1 minuto de palavra aos palestrantes. A platéia era predominantemente jovem, de modo que disse o seguinte: “… não faça concessões profissionais para não ficar refém delas para sempre…”.

Quem lida com infrações ao Código de Ética Médica conhece bem, tem na memória vários exemplos. Noviciado, ingenuidade, vontade de “incluir-se na turma”, sentimento de dó superpõem-se na dificuldade de dizer um não que desagrada, ou na esperteza de um sim com vistas a um ganho secundário.

A sinceridade é questão de dignidade para o médico.  Digno na acepção de consistente em lutar por um fim superior. O que nos remete ao valor dos Princípios Fundamentais expressos no Código de Ética Médica vigente.

É interessante ressaltar que o respeito a preceitos profissionais não deve acontecer tão-somente porque é vedado ao médico. Um sim simpático, quer para não se sentir culpado de não agradar, quer por momentos de baixa auto-estima, quer por sentido de poder, quer por receio de um conflito, não deve acontecer, quando indevido, travado pelo conselho da própria consciência de cidadão, então profissional. Como reforço, é um Direito do médico recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência (direito IX do Código de Ética Médica vigente).

Já conheci vários colegas bonzinhos que cooperam e que um dia viram-se enredados nas teias de bom-mocismo por eles mesmos tecidas. Desejos por uma receitinha, por uma requisição de um exame corriqueiro, por um atestado inocente convergem para o doutor que é muito legal e, que, se atendidos, produzem  uma consciência sequestrada, cujo preço de resgate poderá ser um sentimento de vergonha perante os pares, acrescido de uma advertência ou de uma censura. Certamente, restará a sensação que qualquer que tenha sido o motivo para o sim transgressor, o dano profissional decorrente não valeu a pena. Por outro lado, mérito da pedagogia do erro, ter sido pego com a boca na botija tem o poder de uma vacina.

Cada atividade que lida de algum modo com o público tem suas peculiaridades de Ética que sustentam o sim admissível ou transgressor. Tomemos como exemplo a revelação de um fato sobre uma pessoa que pode gerar constrangimentos à mesma. Se um dito amigo solicita ao médico que comente detalhes de saúde de um paciente, um sim será transgressor, porque não autorizado por quem é o “dono” do problema. Se este mesmo médico fosse um jornalista, pode entender eticamente admissível dar um sim ao editor e assim conseguir informar à sociedade sobre a doença de uma celebridade.

Verifica-se que o provocador ao médico não tem responsabilidades éticas e caso haja a quebra do sigilo profissional, ele “desaparece” e o médico fica sozinho para arcar com os danos da atitude.

Relaciono abaixo artigos do Código de Ética Médica vigente aplicáveis ao tema de um sim transgressor da Ética.

Art. 5º- É vedado ao médico assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou. Por exemplo, dizer sim transgressor e fornecer aquele atestado “de corredor” falsamente afirmando uma doença e sugerindo um período de repouso.

Art. 10- É vedado ao médico acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos. Por exemplo, dizer sim transgressor e emprestar o seu carimbo profissional para alguém que, apesar de formado em Medicina, não está regularizado perante o Conselho Regional.

Art. 20. É vedado ao médico permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade. Em conjugação com Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Por exemplo, dizer sim transgressor para a aplicação de protocolos de atendimento à margem das boas práticas ou para a não aplicação de métodos que entende obrigatórios.

Art. 22. É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Em conjugação com Art. 24. É vedado ao médico deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo, com Art. 31. É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte, com Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal e com Art. 101. É vedado ao médico deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa. Por exemplo, dizer sim transgressor à solicitação de familiar a fim de não estressar o paciente- ou voluntário de pesquisa- capaz que se mostra interessado na sua saúde com esclarecimentos sobre diagnóstico, adversidades de tratmento e prognóstico.

Art. 37. É vedado ao médico prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. Por exemplo, dizer um sim transgressor  ao pedido de uma “receitinha” de antibiótico auto-medicação, pois sem ela o solicitante que trabalha na administração do hospital não conseguirá comprar na Farmácia.

Art. 60. É vedado ao médico permitir a inclusão de nomes de profissionais que não participaram do ato médico para efeito de cobrança de honorários. Por exemplo, dizer sim transgressor para acordos visando a remunerações com evidente desvirtuamento do merecimento.

Art. 73. É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal. Em conjugação com  Art. 76. É vedado ao médico revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade e com Art. 77. É vedado ao médico prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito.  Por exemplo, dizer um sim transgressor para o amigo do paciente que deseja informações ou para alguém que se diz patrão do médico e do funcionário, ou para preencher um formulário sob o inaceitável argumento que, caso contrário, a  família terá dificuldades no recebimento do seguro de vida do falecido.

É comum lermos que a sinceridade pode machucar. O médico, contudo, deve ter mente dizer sempre o que está pensando. Em certas ocasiões, a boa estratégia pode recomendar não dizer por compaixão, pelo menos, por enquanto, ou seja omitir temporariamente algo que o paciente não sabe e não questiona. Contudo,  está longe de ser recomendável qualquer tipo de sim transgressor. Quando o médico pensa não e  vocaliza sim passa a acumular chances de provocar um tiro pela culatra que fará doer a consciência profissional.

 

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